A conexão do Paraná: de Moro a Fachin, um time coeso na guerra contra Lula. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 28 de junho de 2018 às 21:30
Moro, Gebran, Fischer e Fachin

O despacho em que remete para o plenário do Supremo Tribunal Federal o julgamento do recurso de Lula dá a exata medida de como o Edson Fachin tem pautado sua conduta quando o assunto é o ex-presidente. Ele força a barra para tentar derrotar Lula.

E, pelo que escreve, não deseja apenas que Lula permaneça na prisão, quer que a corte defina já a inelegibilidade de Lula. E, para que isso aconteça, Fachin inventou — isso mesmo — um pedido da defesa do ex-presidente.

No despacho, o ministro justifica sua decisão de enviar o recurso ao plenário com o argumento de que a defesa de Lula teria solicitado a suspensão de um segundo efeito da decisão do Tribunal Regional Federal, além da liberdade plena: a inelegibilidade.

No despacho, Fachin alegou três razões para passar por cima da segunda turma do STF e levar o caso diretamente ao plenários, entre elas a “exigência expressa do art. 26-C da Lei Complementar nº 64/90, tendo em vista que se postula o acolhimento do pedido, suspendendo-se os efeitos das decisões recorridas e inviabilizando a execução provisória da pena até o final julgamento pelo Supremo Tribunal”.

O que é a exigência expressa do artigo 26-C da Lei complementar número 64/90? É a de que a corte julgue os casos em que candidatos condenados por órgãos colegiados recorram, para suspender a inelegibilidade, “sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida”.

À primeira vista, poderia parecer benevolência do ministro, que estaria disposto a enfrentar a questão da inelegibilidade de Lula e conceder o efeito suspensivo, se considerar o caso. Ocorre, porém, que a defesa de Lula não fez a solicitação, porque não é o momento jurídico adequado. No pedido de efeito suspensivo, a defesa tão-somente defendeu a liberdade plena de Lula.

Quando Fachin atribui à defesa de Lula pedido que ela não fez, qual o objetivo? É claro que é definir de antemão a inelegibilidade de Lula — e, para isso, ele conta que tem maioria do Supremo —, o que autorizaria os institutos de pesquisa a retirar o nome do ex-presidente das consultas e esvaziar por completo a candidatura de Lula.

Fachin age como um adversário do ex-presidente, mais até do que um acusador, comportamento típico de Sergio Moro. Com a fraude consumada de incluir no despacho um pedido que não foi feito pela defesa de Lula, o ministro interfere no jogo político, prejudicando Lula e o PT, e beneficiando aqueles que temem a eleição ou a influência decisiva de Lula na eleição.

O ministro do STF parece agir como um estrategista político. Além de inventar pedido da defesa, ele escolheu o fórum em que tem chance de êxito, o plenário do STF, onde Lula não conseguiu habeas corpus em abril, com a obtenção de 5 votos contra 6.

No plenário do STF, portanto, existe, em princípio, maioria que não demonstrou nenhuma tendência de acatar pedido de Lula. Se não acatou habeas corpus, por que concederia efeito suspensivo da prisão provisória decretada pelo TRF-4?

Além disso, se quer que Lula continue preso, por que suspenderia a inelegibilidade? Com o recurso levado a plenário, Fachin mataria dois coelhos com uma cacetada, feito que talvez não alcançasse se encaminhasse o recurso para a segunda turma do STF, à qual pertence.

Este seria o caminho natural do recurso, e desprezá-lo não significa uma falha menor. O princípio de que todo cidadão seja julgado por um juízo definido por norma constitucional é um dos dos valores mais caros em uma democracia.

Quando a lei define quem (ou que órgão) vai julgar quem, evita-se o tribunal de exceção, próprio das ditaduras. A justiça é cega, todos sabem, mas juízes que ficam de olhos bem abertos para manter ou trazer para si julgamentos, ou adotar estratégias para buscar resultados pré-definidos, corrompem o conceito do Poder Judiciário.

Foi isso que Fachin fez: mandou para um colegiado que considera mais favorável à sua tendência, já conhecida, de condenar Lula. E por que Fachin age com empenho pessoal na derrota do ex-presidente, a quem, com elogios públicos, parecia considerar um estadista?

Impossível saber, embora haja rumores sobre erros do passado que poderiam colocá-lo como alvo de chantagem. Mas são rumores apenas, nada comprovado.

De antemão, se descarta razões ideológicas, já que Fachin tem um passado de defensor das garantias constitucionais. E ainda age assim.

Por exemplo, no dia 19 de maio, um mês depois de negar HC a Lula, concedeu a medida, numa decisão monocrática, ao ex-prefeito de Tatuí Ademir Signori Borssato, condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por fraude em licitações.

“Concedo a ordem de ofício a fim de determinar o impedimento recolhimento do mandado de prisão expedido em desfavor do paciente, sustado a execução da pena privativa de liberdade (…) até que o Superior Tribunal de Justiça analise os recursos interpostos”.

Se a motivação para a incoerência de Fachin não é conhecida, pelo menos se sabe que, no que se refere a Lula, ele hoje se encaixa em um padrão, o padrão da Lava Jato.

Existe um elo entre todos os principais magistrados que estão à frente nos casos de Lula, de Curitiba até Brasília. Todos têm origem no Estado do Paraná.

As decisões de Moro que são contestadas desaguam, num primeiro momento, na mesa de trabalho do desembargador João Pedro Gebran Neto, do TRF-4, com quem Moro tem uma amizade que se tornou pública, com dedicatórias mútuas em livros.

Se uma decisão de Gebran é contestada, quem vai analisá-la é o ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça. Fischer chegou à relatoria da Lava Jato no STJ por um caminho heterodoxo.

O antigo relator, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, perdeu a relatoria em dezembro de 2015, antes do impeachment, e tinha dado alguns votos que contrariavam decisões de Sergio Moro.

À certa altura, foi substituído por Fisher, que tinha comandado a divergência em alguns julgamentos e, pelo que se tornou público, havia um havia o entendimento no STJ de que o ministro vencedor ocupa o lugar do ministro derrotado.

Ribeiro Dantas saiu sem atirar, e, em nota, chegou a dizer que considerava normal a transferência.

Fisher não é um estranho no circuito de Moro.

O filho dele, Octávio Fisher, hoje desembargador no Tribunal de Justiça do Paraná, era advogado em Curitiba, quando teve seu nome citado numa denúncia cabeluda sobre compra de sentenças nos tribunais superiores, entre os quais o STJ.

A denúncia chegou ao conhecimento de Sergio Moro, num desdobramento de um processo sobre o golpe aplicado pelo titular do consórcio Garibaldi, da década de 90.

Houve prisões, mas Octávio, citado por um réu colaborador como participante do esquema de compra de sentença, saiu ileso. Teve seu nome mencionado em algumas publicações da imprensa, nada além disso.

Fachin também chegou à relatoria da Lava Jato no STF, onde analisa as decisões de Fisher que são contestadas, depois de percorrer uma trilha heterodoxa, um caminho que não era o natural.

Antes dele, quem respondia pela relatoria da Lava Jato no STF era o ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em janeiro de 2017, cuja investigação ainda não foi concluída.

Teori fazia parte da segunda turma do Supremo e, com a vacância gerada pela morte de Teori, Fachin, que era da primeira turma, se ofereceu para ocupar o lugar de Teori, mas, pela lei, ele não poderia simplesmente assumir a relatoria por vontade própria.

Cármen Lúcia, já no início de seu mandato de presidente don Supremo, determinou um sorteio entre os cinco integrantes da segunda turma. E quem teve o nome sorteado? Ele, Fachin, que tinha acabado de se transferir da primeira turma.

E assim se chega à situação atual, em que Fachin se comporta como quem tem uma missão: a de não permitir que Lula exerça livremente sua liderança política, a mais expressiva e poderosa liderança popular.

Na Lava Jato, é tudo muito estranho.