A consagração instantânea do Boicota SP

Atualizado em 25 de abril de 2013 às 19:38

Um site vira sensação ao canalizar a revolta contra a alta dos preços.

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O texto abaixo foi publicado, originalmente, no site BBC Brasil. 

“São Paulo não está cara, está safada.” A frase, postada na rede social Facebook, resume uma percepção que vem ganhando força entre moradores de grandes capitais brasileiras – a de que a atual alta de preços de alguns bens e serviços tem sido alimentada pelo que é descrito como “abuso” ou “oportunismo” inflacionário.

Foi essa a percepção que motivou um grupo de amigos a criar o site Boicota SP, propondo a denúncia e boicote dos estabelecimentos comerciais que “cobram demais e entregam de menos”.

“Percebemos que estávamos pagando o dobro do que há um ano para ir aos mesmos bares e restaurantes, e o sucesso da iniciativa parece mostrar que não fomos os únicos a nos indignar com esse tipo de situação”, disse à BBC Brasil o publicitário Danilo Corci, um dos criadores do site.

Entre as denúncias dos consumidores há lugares que cobrariam R$ 12 por uma água mineral ou mais de R$ 40 por um milk shake, ingressos de shows a R$ 2 mil e um restaurante que teria aumentado em 40% seus preços da noite para o dia.

Em pouco mais de uma semana, o Boicota SP recebeu dezenas de contribuições, além de conquistar mais de 30 mil fãs no Facebook. E a iniciativa não parece ser um caso isolado de indignação anti-inflacionária.

No Rio, associações de moradores e consumidores já vêm manifestando há algum tempo a preocupação com a alta “exagerada” dos preços de itens como aluguel e alimentação em função da Copa e Olimpíada.

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Até a Embratur classificou as tarifas hoteleiras das capitais brasileiras (que subiram para um patamar 70% acima do valor cobrado na Copa da Alemanha) como “fora do razoável” – ou fora do “bom senso”, nas palavras do ministro do Turismo, Gastão Vieira.

Em 2011, moradores do Recife organizaram via Facebook e Twitter um boicote a postos de gasolina que teriam aumentado muito os preços. E está cada vez mais comum encontrar pessoas que decidem boicotar shows de seus músicos favoritos em protesto ao que eles consideraram ser preços “injustificados” – como ocorreu nesta semana com alguns fãs da banda Elvis.

Mas afinal, o que constitui um reajuste de preços “abusivo” ou “oportunista”? E até que ponto iniciativas como a Boicota SP podem ser eficientes para lidar com tal questão?

Primeiro, é preciso notar que não há consenso sobre o que é “razoável” em termos de preços ou reajustes. Esse foi um problema que ficou claro para os criadores do Boicota SP logo nos primeiros dias de funcionamento do site.

“Queremos que o espaço seja 100% democrático, mas também sentimos a necessidade urgente de, primeiro, criar alguns parâmetros para definir o que é ‘abuso’ e, segundo, incorporar ao site instrumentos para permitir às pessoas compararem os preços e entender se realmente esse ou aquele estabelecimento destoam do resto”, diz Corci.

De acordo com o publicitário, algumas pessoas acabaram “denunciando” produtos de luxo ou produtos que, por terem um custo maior, acabam sendo mais caros.

“Talvez o custo de um prato feito por um chef de cozinha com ingredientes exóticos justifique um preço mais caro, por exemplo. E também não dá para ignorar que alguns estabelecimentos têm mais gastos que outros dependendo de fatores como o local em que estão localizados”, admite o publicitário.

Na concepção dos criadores do Boicota SP há duas categorias de preços “abusivos”. Primeiro, aqueles inflados propositadamente porque consumidores não têm como procurar alternativas. “É o caso dos preços dos aeroportos, que já dariam um capítulo à parte no levantamento dos abusos”, diz o publicitário.

A segunda categoria abrangeria produtos cujos preços e reajustes não podem ser justificados em termos de custos – e que estariam bem mais baratos em outros estabelecimentos semelhantes.

Maria Inês Dolci, coordenadora da associação de consumidores Proteste, concorda com a definição. “Em alguns casos, de fato, registramos lugares que passaram a cobrar duas ou até três vezes mais pelo mesmo produto na mesma região, sem qualquer justificativa”, diz. “Mas eu também acrescentaria uma categoria de oportunismo que diz respeito a empresas que se aproveitam de proteções contra concorrência externa para cobrar mais do que seria razoável”, opina.

Já Marcel Solimeo, da Associação Comercial de São Paulo, discorda da própria classificação dos preços como “abusivos”. “Não concordo com essa noção de que há preço honesto e preço desonesto”, diz.

“Alguns supermercados, por exemplo, podem conseguir produtos a um menor custo que concorrentes menores ou vender a preços de custo para ganhar com outros produtos – então não acho que possamos dizer que diferenças como essas constituem ‘abusos’ ou ‘desonestidade’.”

Para ele, se os preços estão mais altos é porque as pessoas estão aceitando pagar, mas ele avalia como positivas iniciativas que ajudem os consumidores a comparar preços e planejar melhor o orçamento. “Não chegamos a um ponto, como nos anos 90, em que por causa da inflação as pessoas perderam a noção do valor das coisas”, completa.

Para Irene Maria Machado, gerente de pesquisas do IBGE, a percepção de que há abusos na alta de preços pode estar relacionada com a forma como o dia a dia de cada consumidor vem sendo afetado pela recente aceleração da inflação.

Nos últimos 12 meses, a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE acumulou alta de 6,59%, estourando o teto da meta do Conselho Monetário Nacional (de 6,5%).

“A questão é que essa é apenas uma média”, explica Machado. “É possível que a ‘inflação individual’ de algumas pessoas, ou o aumento dos preços dos produtos e serviços que elas costumam consumir, tenha sido bem maior.”

Salomão Quadros, especialista em inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas concorda com o diagnóstico. “Houve uma alta particularmente acentuada dos serviços e alimentos e alguns itens ligados a atividades de lazer”, exemplifica.

Para se ter uma ideia, os preços do item ‘alimentação fora de casa’ no índice do IBGE – foco das reclamações do Boicota SP – cresceram 10,31% nos últimos 12 meses. Os preços do aluguel subiram cerca de 10%, dos serviços de beleza, como manicure, 11,73% e dos custos com empregadas domésticas, 12% – quase o dobro da inflação.

O índice de inflação da FGV indica que quem tem filhos na escola teve de arcar com um aumento médio de 9,94% na mensalidade e 10,45% em cursos extra-curriculares, como inglês e música. Além disso, o fato de esse cálculo também ser uma média significa que, para cada curso que deixou de reajustar seus preços, pode haver outro cujo aumento foi de mais de 20%.

A cerveja também subiu 13% em média – o que parece ajudar a explicar algumas das reclamações sobre bares.

“É claro que ninguém presta atenção nos produtos que não estão aumentando ou aumentaram pouco, como os remédios”, diz Machados. “Mas sem discutir os casos individualmente, o que estamos assistindo é um aumento dos preços motivados principalmente por uma expansão da demanda: os brasileiros estão empregados e há uma grande massa de trabalhadores que foram alçados da pobreza e podem pela primeira vez consumir determinados bens e serviços.”

“Com algumas exceções, se os preços estão subindo é porque alguém está comprando”, corrobora Quadros. “Temos uma demanda crescente por bens e serviços que não está sendo acompanhada por um aumento da produção e investimentos e o resultado é mais importações e alta de preços generalizada – cerca de 70% dos preços pesquisados estão sendo reajustados todos os meses.”

Mas o economista da FGV é cético sobre a possibilidade de que iniciativas como os boicotes e campanhas de conscientização dos consumidores tenham algum efeito sobre os reajustes.

“Milhares de pessoas pela primeira vez têm a oportunidade de ‘se permitir’ alguns luxos e é difícil esperar alguma moderação sem políticas econômicas sérias que estimulem isso”, acredita.

Dolci, da Proteste, é mais otimista sobre a possibilidade de uma mudança espontânea no comportamento dos consumidores.

“É verdade que os brasileiros em geral se mobilizam pouco para denunciar aumentos exagerados e não comparam preços, mas avançar na área de educação financeira é essencial para tentar impedir que algumas empresas e setores aproveitem um contexto de aumento da renda e do emprego para fazer grandes reajustes.”

Ao menos nesse ponto, as opiniões de Dolci e Solimeo, da Associação de Comerciantes, parecem convergir.

“Durante o período longo de inflação tivemos de nos adaptar fazendo grupos de compras e planejando as compras do mês, por exemplo. Não descarto que essa percepção generalizada de que os preços estão passando dos limites leve a um processo de revisão de alguns hábitos – e talvez essas reclamações sejam o início desse movimento”, diz ele.