“A consciência é necessária diante dessa mídia desequilibrada”, diz dono do Manchetômetro. Por Zambarda

Atualizado em 29 de novembro de 2016 às 8:53

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Cientista social com pós-graduação em filosofia, João Feres Júnior é formado na City University of New York e na Unicamp. Ele se tornou conhecido a partir de 2014 pelo site Manchetômetro, que denunciou 182 informes negativos da então candidata Dilma Rousseff nos principais jornais contra apenas 15 positivos.

Depois de passar uma temporada nos Estados Unidos e pesquisar sobre os latinos naquele país, Feres decidiu fazer uma análise de valência do noticiário brasileiro. Para ele, a mídia brasileira é muito mais parcial que a americana.

O pesquisador começou apurando as manchetes da imprensa nas eleições de 2010, mas foi quatro anos depois, durante o massacre midiático contra Dilma, que suas informações provaram que há ataques contra o PT.

O Manchetômetro inicialmente trabalhou com os jornais Folha de S.Paulo, Estado de S. Paulo e o Globo.

A análise de valência atribui valores positivos, negativos ou neutros a respeito do objeto estudado. Em entrevista do programa Espaço Público, da TV Brasil, Feres afirmou que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu uma cobertura positiva muito grande em sua crise no ano de 1998.

Comparativamente, Lula e Dilma não tiveram a mesma sorte e a grande mídia brasileira deu sinais claros que estava fazendo propaganda para o PSDB, partido de oposição, segundo o pesquisador.

Em 2016, o site registrou 13 horas de noticiário negativo intenso no Jornal Nacional contra o ex-presidente Lula. Ele só teve quatro horas de manchetes neutras e alguns segundos de informações favoráveis. O breve momento bom de Lula no JN foi em março.

O levantamento foi executado entre dezembro de 2015 e agosto de 2016. A defesa do ex-presidente Lula na Operação Lava Jato apresentou o Manchetômetro ao juiz Sérgio Moro e à Comissão Internacional de Direitos Humanos da ONU em 16 de novembro.

As pesquisas de Feres sobre o teor das manchetes da imprensa são feitas no Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ. Ele possui uma equipe de 15 pessoas que atribuem valores distintos para as manchetes e fazem as checagens, para evitar que erros passem adiante.

Entrevistamos João Feres Júnior sobre o caso de Lula, o futuro do Manchetômetro e o papel da imprensa alternativa hoje.

DCM: Como a UERJ te ajudou na montagem do Manchetômetro?

João Feres Júnior: Sou professor da universidade e esta é uma pesquisa que eu faço no instituto. Ela surgiu de uma observação que eu fiz da mídia e como ela influi de forma pesada na percepção das pessoas sobre a política brasileira.

DCM: Além das 13 horas de notícias negativas do Jornal Nacional contra o ex-presidente, vocês estão pesquisando outras publicações?

JFJ: Estamos levantando informações sobre O Globo, mas por enquanto só temos do JN. O jornal é mais negativo ainda em relação ao Lula e nós vamos ainda detalhar mais as informações em breve. Existiu uma menção positiva no Jornal Nacional no período que pesquisamos, em março. Mas foi coisa de poucos segundos e é desprezível.

DCM: Vocês pretendem fazer mais estudos no mesmo formato do Manchetômetro? Cogitam verificar na internet?

JFJ: Então, a gente vai entrar na rede sim e estamos reformulando o Manchetômetro neste momento. O novo formato vai funcionar a partir do ano que vem. Seremos capazes de rastrear a internet, mas a princípio só os sites de notícias factuais. Não vamos contabilizar o Facebook, entram mais os grandes portais como G1 e UOL.

DCM: O Manchetômetro vai medir sites alternativos?

JFJ: A princípio, não. O objetivo desta pesquisa é fazer grande mídia, porque os blogs ainda ecoam as informações que saem nos grandes veículos. A capacidade de produzir reportagens 100% originais é muito pequena neste novo segmento ainda. A produção de conteúdo, em larga medida, ainda está nas mãos da grande mídia.

DCM: É uma mídia oligopolizada, certo?

JFJ: Exatamente. São grandes grupos que não abrem espaço pra concorrência e você é submetido a esses meios. Se você pegar os blogs, eles ainda comentam muito do que saem nos grandes portais. E esse desnível é em larga medida financeiro. Os blogs não tem dinheiro para fazer reportagem. Falta verba ao jornalismo alternativo para produzir como a grande mídia faz e pagar gente que produza conteúdo de primeira linha.

A grande mídia, apesar de estar em crise econômica, ainda tem como financiar este tipo de trabalho. Então é aí que se encontra a grande assimetria. A história é a seguinte: com a internet, o dinheiro que ia para as mídias tradicionais na forma de assinaturas, como no caso da Veja e da Folha, ou em formato de anúncios migrou para grupos digitais. A informação na rede é de graça e nem todos os sites que recebem publicidade são de jornalismo.

É o caso do Facebook e do Google, as empresas que mais lucram com publicidade digital no mundo. Por isso é que falta financiamento para os blogs e quem recebe é a mídia de oligopólio. Por este motivo, a lógica na comunicação ainda é perversa.

DCM: Surgiram sites de grupos internacionais no Brasil, como BBC, El País e Intercept. Eles estão produzindo conteúdo original e há uma tentativa de censurá-los. Você acha que eles fazem diferença ou não?

JFJ: Eu acho que eles ainda são inócuos no sentido de atingir a grande população. Eles são muito segmentados e ainda são lidos pelo pessoal de mídia alternativa, que consome os próprios blogs que criticam a grande imprensa.

DCM: Qual é a sua meta com o Manchetômetro? Criticar a grande mídia?

JFJ: Meu objetivo é que as pessoas tenham consciência crítica com as informações que elas consomem. Essa consciência é necessária diante de uma mídia desequilibrada como a nossa.

João Feres, do Manchetômetro
João Feres, do Manchetômetro