A Copa como metáfora da vida

Atualizado em 27 de junho de 2014 às 18:27

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No início, tudo é festa, todos temos mil possibilidades. Todos somos jovens, temos esperança, estamos igualados pela certeza de que não vamos morrer nunca. O abraço é generoso, o sorriso é fácil, o clima é de festa e de excitação por estarmos todos juntos no mesmo lugar, com o mesmo objetivo, celebrando a mesma coisa. Não há dor entre nós. Temos o sentimento bom de que todos os percalços podem ser vencidos, de que temos todo o tempo do mundo para reverter qualquer tipo de situação, de que todos os sonhos podem ser sonhados e de que para que uns vençam, não é necessário que outros percam. Enxergamos no jogo apenas a sua porção lúdica. Esta é a primeira fase. Só há beleza. Só enxergamos o glamour de esporte. É a infância. A celebração da vida. O Paraíso na Terra.

Então, um belo dia, as primeiras mortes começam a acontecer entre nós. A seleção natural dá início aos trabalhos. Pelo critério de competência. Ou então por puro acaso – pela sorte ou pela falta dela. Não podemos mais “rise as one”, como um grupo enorme, total, homogêneo, perfeito. Começamos a nos dividir em subgrupos menores. As turmas ficam menores, a inocência perde terreno. Então já não somos para sempre. Então o jogo é competitivo e envolve a morte de alguns. Os mais fortes irão adiante, os mais fracos perecerão. Já não há lugar para a inépcia. Ou você garante a própria sobrevivência ou será excluído da festa. Já não há lugar para todos. Assim são as Oitavas de Final. É a adolescência, fase dura, de cair na real, de ver que o espaço para a descontração e para o erro não existe mais. Hora de crescer.

Então já é preciso lutar pela vida, e ganhá-la com o suor da própria testa. Fica absolutamente claro que não há garantia de nada nessa vida, de que a alegria tem fim, de que o tempo não para e de que a próxima chance só acontecerá daqui a quatro anos, quando estaremos todos mais velhos e quando alguns de nós já nem estarão mais por aqui. Fica claro que o sorriso e a simpatia, por si só, não podem garantir nada. Nem jogadas bonitas. Nem momentos de poesia campal. Nem lances inesquecíveis. Nada disso é moeda forte. Agora é preciso marcar gols. É preciso matar o outro para não morrer. O jogo agora é de soma zero, sem chance de apelação. A felicidade geral e irrestrita, a festa ensolarada da primeira fase, que incluía a todos, acabou definitivamente. Assim são as Quartas de Final. Você chegou até aqui. Parabéns. Quer seguir adiante? Prepare-se para bater mais do que apanhar. Se você não finalizar o outro, será finalizado por ele. É a fase adulta da vida, em que já não cabe engano, em que não há espaço para o romantismo, em que o idílio acabou, em que temos que lidar com a realidade, em que os fatos duros, concretos e objetivos da vida se impõem aos nossos desejos e quimeras. Agora somos gente grande. Com compromissos e responsabilidade que nos pesam toneladas sobre os ombros. Há grande resistência de uns em relação aos outros. Antes, éramos todos amigos. Agora, somos todos adversários. Dos outros sobreviventes, só quatro irão adiante. E a memória fresca e lúgubre dos outros 24 que já foram embora não nos deixa fantasiar a respeito disso. A vida já não nos oferece mil possibilidades. Vai ficando claro, para cada um de nós, aquilo que podemos e aquilo que jamais poderemos alcançar.

A competição se acirra. O pragmatismo é total. Caminhamos muito para chegar aqui. O que não nos desobriga de nada, só nos faz querer chegar ainda mais longe. Medimos forças, nos tornamos estabelecidos num determinado patamar, chegamos lá. Mas queremos ir até o fim. Estamos no estágio da vida em que os vencedores serão confirmados e em que os perdedores serão revelados. Ou seja: com tudo que já construímos, ainda precisamos nos provar. Para os outros e para nós mesmos. O tempo adiante é curto. Estamos experientes, calejados, inscrevemos muitas batalhas vencidas em nosso cartel. Mas essa última tacada é importante para que entremos para a história do jeito certo. Para que tudo que fizemos não se perca nem tenha sido em vão. Assim são as Semi Finais. Ninguém gosta de jogar ou de assistir a uma disputa do Terceiro Lugar. Que é uma disputa por coisa nenhuma. Terceiro lugar não vale nada. Agora é tudo ou nada. Hora de apostar tudo, de dar tudo, e de ganhar ou de perder deixando tudo dentro do campo. O momento é épico. As brigas são de cachorro grande. É a maturidade. A meia idade. Quando a festa atinge seu clímax e, ao mesmo tempo, já se encaminha para o fim.

Então chegamos à Final. À última disputa. À cartada final. Hora de selarmos o percurso com uma vitória – ou com um vice campeonato. A sensação de “all in” se acirra ainda mais. Seremos lembrados para sempre como campeões, bordaremos uma nova estrela no peito, seremos imortalizados na foto com uma taça sendo erguida e com um chuva de papel picado descendo por detrás? Ou ficaremos em segundo plano, como a equipe que perdeu – apesar das tantas vitórias que nos trouxeram até aqui –, apareceremos na foto de cabeça baixa, chorando de tristeza, entrando no túnel deprimidos em direção ao vestiário e ao avião em silencio sepulcral de volta para casa? Seremos premiados e reconhecidos, por todos, por tudo que realizamos? Ou sairemos da festa, cujas luzes estão se apagando, envoltos em degredo e frustração? A festa acabou. Fim de Copa é fim de carreira, fim de geração, fim da existência e do tempo de realizar. Vem a aposentadoria. Hora de contar aos outros o que fizemos ou deixamos de fazer. Hora de sair do caminho para que outros protagonistas entrem. Hora de sair da vida e entrar na história. Chegamos lá, de um modo ou de outro. Vivemos. E fomos o que pudemos ser. O resto é entardecer.

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O jornalista Adriano Silva é consultor digital, escritor e mantêm o blog Manual de Ingenuidades (www.manualdeingenuidades.com.br). Ele ocupou cargos como o de diretor de redação da revista Superinteressante e Redator Chefe do Fantástico,