
A agenda de clima e transição energética deixou de ser uma pauta ambiental para se consolidar como o principal vetor de desenvolvimento econômico do país. Esta é a visão que unifica a gestão do presidente Lula, o Ministério da Fazenda, sob a liderança de Fernando Haddad, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Minha intenção, ao compartilhar esta perspectiva no seminário PosCOP, realizado em São Paulo apenas três dias após a conclusão da conferência em Belém, é traçar o caminho que nos levou à recente Conferência do Clima (COP), detalhar os resultados concretos que atestam a recuperação da nossa credibilidade internacional e, principalmente, apresentar a estratégia do BNDES para os desafios do período pós-COP.
No BNDES, a convicção de que o clima é pauta de desenvolvimento nos levou a criar um departamento específico, inicialmente alocado na minha diretoria de negócios. Trabalhamos em coordenação estreita com o Ministério da Fazenda, que criou a Secretaria do Carbono e está desenvolvendo a taxonomia sustentável do Brasil. Nós, no BNDES, fazemos nosso próprio inventário de carbono, nossa política de risco climático e nossa taxonomia interna.
Para mobilizar o capital necessário, criamos a BIP (Brazilian Investment Platform, Plataforma Brasileira de Investimentos). Esta plataforma reúne todos os projetos estratégicos para a transição energética e a transformação ecológica do país. O BNDES atua como secretário da BIP, mas o comitê de governança (o board) é composto pelos Ministérios da Fazenda, de Minas e Energia, do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Todos os projetos listados estão conectados com o plano de clima, o plano de transição energética e o plano de transformação ecológica do governo.
De pária climático a destino de investimento
É fundamental lembrar onde estávamos. Em dezembro de 2022, o Brasil era um pária climático.
Estávamos excluídos das grandes negociações globais e os investidores não nos viam como um destino viável para investimentos climáticos. A grande novidade deste governo é olhar a transição e o clima como uma agenda de desenvolvimento econômico. Mas arcabouço regulatório não basta. É preciso dar o exemplo.
Nós derrubamos o desmatamento na Amazônia e em todos os biomas. É com essa autoridade que o Brasil chega às mesas de negociação. Em 2024, temos o desafio de cumprir as nossas NDCs (Nationally Determined Contributions, nossas metas climáticas nacionalmente determinadas) e estabelecer metas ainda mais restritivas, como o desmatamento ilegal zero até 2030. Que país pode dizer hoje que reduziu suas emissões líquidas em 22% e as emissões brutas em 16%? Nossas emissões vêm, em 50%, do desmatamento e, em 24%, do uso da terra. Ao derrubar o desmatamento, derrubamos automaticamente a emissão de gases do efeito estufa.
A recuperação da credibilidade se materializou no mercado financeiro. O Tesouro Nacional se tornou um emissor frequente de bônus sustentáveis e, durante a COP, emitiu um bônus soberano sustentável. Esta foi uma emissão de dívida da República com KPIs (Key Performance Indicators, indicadores-chave de desempenho) de sustentabilidade. Para que os investidores comprem essa dívida, a República precisa ter credibilidade e se comprometer com metas ambientais e sociais. Em 2022, qualquer tentativa de emissão sustentável seria recebida com desconfiança.
Agora, o Brasil conseguiu emitir essa dívida com um preço de país investment grade — ou seja, com o preço de um país que possui o selo de bom pagador e baixo risco. O Citibank coordenou a operação. O preço foi baixíssimo, e os juros que pagamos são comparáveis aos de um país com grau de investimento, embora o Brasil ainda não o seja. A demanda por esse papel foi gigantesca, superando o volume que emitimos. É com essa confiança do investidor internacional que o Brasil se apresentou na COP.
A COP na Amazônia e o apetite por negócios climáticos
Eu confesso que, como muitos, tinha receio de fazer a COP em Belém. Mas a genialidade do presidente Lula em insistir na Amazônia foi um dos maiores acertos.
A conferência estava extremamente bem organizada e a diplomacia brasileira conseguiu fazer uma grande costura, chamando a atenção do mundo para a região e para os negócios. O BNDES entregou um legado concreto para Belém, como o Museu das Amazônias e a Casa BNDES, um equipamento cultural da cidade. Desde o início da gestão do presidente Aloizio Mercadante, investimos mais de R$ 14 bilhões no Pará.
Na pré-COP, em São Paulo, recebemos investidores de todo o mundo. Existem hoje fundos especializados em projetos de transição energética, de reflorestamento, de hidrogênio verde e de minerais críticos. Estima-se que o Brasil possua 10% das reservas mundiais de minerais críticos para a transição energética, mas exploramos menos de 0,5%. Há um potencial gigantesco.
Na BIP, o BNDES anunciou um investimento de R$ 7 bilhões em florestas. Organizamos uma grande chamada de clima, onde alocaremos R$ 5 bilhões para que gestores privados invistam em empresas focadas em clima e florestas. Nossa meta era mobilizar R$ 18 bilhões. A resposta do mercado superou as expectativas: tivemos demanda para R$ 21 bilhões, com potencial de mobilizar R$ 78 bilhões. Isso prova que existe uma demanda real, robusta e imediata por negócios de transformação ecológica no Brasil.
A BIP, inclusive, inspirou a criação de 17 plataformas semelhantes ao redor do mundo.
Às vezes, temos a falsa percepção de que commodity não envolve tecnologia. Um dos projetos na BIP é a reciclagem de rejeitos de mineração, usando inteligência artificial para beneficiar o material e transformá-lo em cimento. Outro projeto envolve o desenvolvimento de tecnologia, com drones e IA, para domesticar a Macaúba e produzir combustível sustentável de aviação. A soberania está em como faremos esses acordos e como alinhamos esses projetos com as nossas NDCs e com a NIB (Nova Indústria Brasil).

Capital catalítico e a nova arquitetura financeira
O mundo precisa discutir uma nova arquitetura financeira para mobilizar capital para o Sul Global. O Brasil é uma exceção, pois já atraiu muito capital, mas menos de 20% dos recursos globais para a transição energética estão indo para o Sul Global, onde o custo de capital é muito maior.
Os bancos multilaterais estão sendo questionados a mudar. Nessa nova arquitetura, o BNDES está tentando criar um mecanismo para receber recursos de fundos como o Green Climate Fund e o Climate Investment Funds. Precisamos receber esse dinheiro, mas precisamos de governança para garantir que ele seja investido em projetos viáveis que gerem adicionalidade para a sociedade.
É aqui que entra o conceito de capital catalítico. Grande parte dos recursos para a transformação ecológica está no setor privado. O Estado deve ser o indutor. O capital catalítico é aquele que aceita um retorno menor ou um risco maior, funcionando como indutor para atrair o capital privado. Em alguns casos, ele aceita as primeiras perdas. É uma forma de direcionar o capital privado para os projetos que interessam ao país.
Na BIP, temos hoje US$ 22 bilhões em projetos. Estamos discutindo um fundo catalítico de mais US$ 1 bilhão e linhas com o Banco Mundial de mais US$ 1 bilhão. Olhando para um horizonte de 10 anos, a transição energética é intensiva em capital e exigirá a mobilização de centenas de bilhões de dólares.
Adaptação urgente e o elefante na sala
O que vem agora? A COP30, em Belém, chamou a atenção para a Amazônia e para os negócios. Mas dois temas dominaram o debate pós-conferência, já com vistas à preparação para a COP31, na Turquia.
Primeiro, a adaptação. Em 2024, o mundo perdeu mais de US$ 300 bilhões devido a eventos climáticos extremos, mas só havia seguro para US$ 137 bilhões. Estamos falando de perdas econômicas em safra e infraestrutura. O mundo já aqueceu mais de um grau e meio, e a necessidade de adaptar cidades é urgente. É mais barato investir em adaptação do que esperar o volume de perdas que virá.
Segundo, o combustível fóssil. O Brasil não incluiu o phase-out (o abandono gradual) de combustíveis fósseis no texto final da COP, mas o embaixador André Corrêa do Lago, brilhante na condução da diplomacia, incluiu a discussão sobre o caminho da redução.
A COP apenas colocou o elefante na sala na questão dos combustíveis fósseis. Não resolveu o problema, mas o elefante está lá. E eu acho importante que ele esteja.
O embaixador está chamando o roadmap (o mapa do caminho) para a construção da saída dos fósseis. O Brasil tem um ano para discutir isso, e já teremos uma conferência na Holanda para tratar do tema. Isso foi genial. Nunca uma COP deixou o elefante na sala para ser resolvido no pós-COP. O Brasil fez isso, e é a prova de quem sabe negociar.
É importante notar que há uma longa agenda da UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima) para chegar até a COP31, em Antalya, na Turquia. Mas devemos ficar atentos também a alguns eventos à margem desta agenda oficial, que buscam acelerar o debate onde a diplomacia formal encontra seus limites. Um exemplo claro é a Primeira Conferência Internacional sobre a Transição Justa para Longe dos Combustíveis Fósseis, que ocorrerá em Santa Marta, na Colômbia, em abril de 2026.
Convocada pelos governos da Colômbia e dos Países Baixos, com apoio da presidência da COP30, esta conferência surge como uma resposta direta ao fracasso da COP30 em aprovar um roadmap global para o fim dos fósseis. A escolha de Santa Marta, principal terminal de exportação de carvão da Colômbia, é altamente simbólica: discutir o fim dos fósseis em um território dependente deles. Este evento é visto por analistas como o início de uma “coalizão dos dispostos”, pronta para avançar fora da lógica de veto unânime das COPs, dando um lar político para a negociação de um Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis e abordando diretamente o “elefante na sala” que a COP30 apenas expôs.