A dentista morta no ABC e a corrupção policial

Atualizado em 28 de abril de 2013 às 7:16

Que os bandidos que queimaram Cinthya de Souza sejam pegos — mas o problema da segurança pública em SP continuará.

Cinthya
Cinthya

Enquanto ainda se lamentava a estúpida morte do jovem Victor Hugo Deppman, um crime ainda mais pavoroso ocorreu, causando mais perplexidade numa população já amedrontada. Ladrões invadiram um consultório odontológico e, porque a dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza tinha apenas 30 reais de saldo em sua conta, atearam fogo nela. A motivação da morte é incrivelmente repugnante e o meio, crudelíssimo. “Foi um crime bárbaro, que nos envergonha a todos. Esperamos que rapidamente possamos entregar esses quatro à Justiça”, disse Geraldo Alckmin, que lembrou de seu projeto de redução da maioridade penal (um dos suspeitos é um adolescente).

Muitos irão bradar, no calor dos fatos, que as leis são frouxas, que isso ocorre porque tem gente com dó dos bandidos e outras coisas do gênero.

É possível que, diante da exposição na mídia, esses monstros sejam apanhados. Vamos torcer para que aconteça. Mas, infelizmente, não estaremos mais seguros. A onda de violência que os paulistas enfrentam não é um problema das leis — e sim da polícia.

Explico. O roubo combinado com morte, como no episódio da dentista do ABC, tem uma das penas mais altas do Código Penal, com reclusão de 20 a 30 anos. É possível afirmar, dadas as circunstâncias gravíssimas, que se os autores forem identificados e condenados, a pena será próxima da máxima, se não for a máxima.

A experiência brasileira comprova que o aumento de pena é ineficaz. Em 1990, com a lei dos crimes hediondos, houve uma grande elevação das penas de crimes graves. O próprio latrocínio teve um aumento de 15 para 20 anos. Nem por isso ele diminuiu. Há muito tempo sabe-se que isso não resolve. Em 1764, o jurista e filósofo Cesare Beccaria afirmava que o freio ao delito “não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade”. Mais: “a certeza de um castigo, ainda que moderado” é mais eficaz que penas severas associadas “à esperança da impunidade”.

Não existe a “certeza do castigo”. São Paulo tem uma polícia com baixíssimo índice de resolução de delitos. Quando uma pessoa resolve ingressar no mundo do crime, o faz embalada pela percepção de que muitos ficam impunes. Nossa polícia — especialmente a civil, à qual compete a investigação — investiga mal, não é preparada e não tem instrumentos adequados para fazer uma boa apuração. Ao contrário, age primitivamente, com predomínio da truculência sobre a inteligência.

Além disso, a incidência de corrupção é enorme. São perceptíveis, a olho nu, os sinais de riqueza de policiais civis, e eles não fazem muita questão de esconder isso. Escrivão e investigador dirigem carros caríssimos, apenas para ficar em um exemplo banal. E sobre isso há um silêncio generalizado.

Penas mais rigorosas de nada valerão com a força policial que temos. Que os assassinos de Cinthya sejam presos, julgados e condenados. Mas é bom ter em mente que a crise na segurança pública de São Paulo tem mais culpados.