A despedida de Celso de Mello. Por Moisés Mendes

Atualizado em 27 de fevereiro de 2020 às 20:57
O ministro do Supremo Celso de Mello – Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Publicado originalmente no Extra Classe

Por Moisés Mendes

O personagem de 2020, com ou sem golpe, será o ministro Celso de Mello. Perdemos referências de nomes e atitudes, fomos abandonados pelo direito de ter expectativas e somos ameaçados por um golpe, mas ainda nos resta Celso de Mello.

Teve um tempo em que os operários ou os estudantes iriam nos salvar com suas revoltas e anarquismos, toda vez que o mundo estivesse em apuros com golpistas e fascistas. Os partidos, os sindicatos, os grandes líderes estariam sempre a postos.

Não há mais os líderes das emergências, da presteza do momento, do vem cá e nos tira desse buraco e nos conduz às ruas e à liberdade. Nem os professores, as universidades, o poder do conhecimento, nada mais nos acolhe como um dia nos socorreu.

Desapareceram ou fragilizaram-se os nossos oráculos, as vozes orientadoras de ações coletivas.  Mas ainda temos Celso de Mello, que não é político, não é líder de nada e nem é pop. Mas foi ele quem primeiro reagiu publicamente à tentativa de golpe.

Foi Celso de Mello quem escreveu uma nota enviada à Folha de S. Paulo, apontando Bolsonaro como um presidente com “a visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo”.

Foi quem, fora do cenário da política, primeiro advertiu para a possibilidade de Bolsonaro ter cometido crime de responsabilidade ao passar adiante para a sua turma o vídeo com a convocação para os protestos contra o Congresso.

Celso de Mello saiu na frente de todos os que poderiam ter dito alguma coisa e só depois pegaram carona no que ele já havia dito. E por isso, então, será o personagem de 2020?

O ministro será a grande figura desses tempos sombrios porque em março ou abril (se não adiarem mais uma vez) dará o voto decisivo, com texto histórico, no processo sobre a conduta de Sergio Moro na Lava-Jato.

Teremos dele toda uma argumentação em defesa do combate à corrupção, como fez quando do mensalão. Mas, ao final do longo voto, o decano do Supremo irá dizer que há fundamento na acusação de suspeição dos atos do ex-juiz que mandou encarcerar Lula e depois virou ministro de um governo ligado a milicianos e outros favorecidos por suas decisões.

O ministro dirá que não há como compactuar com a postura do ex-juiz e suas consequências, quando essas, ao invés de fortalecerem, ameaçam a Justiça. E falará em voz alta que seu voto tem o objetivo de reparar desmandos e proteger o Judiciário, para que não se normatizem os precedentes do magistrado que agia arbitrariamente como acusador.

O ministro poderá ser um pouco mais incisivo, ou até um pouco mais brando. Mas, na essência, será isso que irá dizer, e a Terceira Turma terá então, com os votos de Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, maioria para condenar Moro.

Celso de Mello não terá outra saída que não seja a defesa de um Judiciário torto e vilipendiado – que atua seletivamente, que pune pobres e negros, que deixa prescrever os processos contra corruptos da direita, que encarcera ajudantes de traficantes –, mas que se degradará ainda mais se aceitar com naturalidade as ações de Sergio Moro em Curitiba.

Celso de Mello aposenta-se em novembro, e Moro é candidato à sua vaga. Alguns dizem, por tentativa enviesada de antecipar seu voto, que o ministro não depreciaria a imagem de quem postula uma cadeira que terá ocupado por 31 anos.

Se for brando, o ministro poderá, por esse raciocínio, livrar-se mais adiante da acusação de que julgou com severidade um futuro substituto. Não há como ser contorcionista na hora da despedida.

O processo da suspeição de Moro não tratará apenas da Lava Jato, mas do que seus desvios justiceiros representam como ameaça ao Judiciário. Será o último ato de Celso de Mello. Não haverá como não ser histórico.