POR LEONARDO ISAAC YAROCHEWSKY, PUBLICADO ORIGINALMENTE NO EMPÓRIO DO DIREITO
Coragem (do latim coraticum, do francês cor-age[1]) é a capacidade de agir apesar do medo, do temor e da intimidação. Deve-se notar que coragem não significa a ausência do medo, e sim a ação apesar desse. O contrário da coragem é tido normalmente como covardia. Coragem é Bravura; senso de moral intenso diante dos riscos ou do perigo. Confiança; força espiritual para ultrapassar uma circunstância difícil. Perseverança; capacidade de enfrentar algo moralmente árduo. Hombridade; característica da pessoa bom caráter. Determinação; cuidado e perseverança no desenvolvimento de algo.
Diante das definições trazidas pelos dicionários, necessário saber quem são, verdadeiramente, os juízes corajosos. Antes, porém, é preciso dizer que coragem não se confunde com autoritarismo e nem com arbitrariedade – Característica ou particularidade do que é arbitrário. Modo de agir arbitrário (sem justificativa); capricho. [Jurídico] Ação em que há uso abusivo de autoridade; violência ou despotismo.
Recentemente, o ministro LUÍS ROBERTO BARROSO do Supremo Tribunal Federal (STF), diante da decisão do Pleno do STF, declarou que a proibição da condução coercitiva foi “esforço para desautorizar juízes corajosos”.
A declaração do ministro BARROSO, demonstra claramente a confusão feita entre coragem e arbitrariedade. Ações autoritárias ou arbitrárias, nada, absolutamente nada, tem de corajosas. Pelo contrário, não são raras as vezes que atrás do autoritarismo se esconde a covardia.
LENIO STRECK é categórico ao dizer:
“O que é um juiz corajoso? É o juiz voluntarista, que acha que o Direito atrapalha? É o que atende à voz das ruas? É o ativista que acha que pode administrar o Estado concedendo liminares? É o que concede 120 dias de licença-paternidade para um pai-que-é-funcionário-público? É um juiz que mandou fazer conduções agora declaradas inconstitucionais? Para mim, o juiz corajoso é o que faz o simples: cumpre a lei. Que segue rigorosamente a Constituição. É o juiz ortodoxo. É o juiz raiz e não o juiz nuttela (para usar uma brincadeira das redes sociais). Contra tudo e contra todos. Corajoso é o que sabe que a Constituição é um remédio contra maiorias”.[2]
Em “tempos sombrios”, não é exagero dizer que no processo penal midiático o juiz se torna refém da mídia punitiva e opressora. Referindo-se a denominada “criminologia midiática” ZAFFARONI afirma que na guerra contra eles (os selecionados como criminosos) são os juízes alvo, preferido da “criminologia midiática”, que segundo o jurista argentino, “faz uma festa quando um ex-presidiário em liberdade provisória comete um delito, em especial se o delito for grave, o que provoca uma alegria particular e maligna nos comunicadores”. Neste viés os juízes “brandos” são um obstáculo na luta contra a criminalidade e contra “eles”. Como assevera ZAFFARONI “as garantias penais e processuais são para nós, mas não para eles, pois eles não respeitam os direitos de ninguém. Eles – os estereotipados – não têm direitos, porque matam, não são pessoas, são a escória social, as fezes da sociedade”.[3]
Neste diapasão, verifica-se que é necessário muito mais coragem para “soltar” – na contramão da pretensão da mídia opressora e punitivista – do que coragem para “prender” – atendendo aos desejos incontidos de uma opinião pública(da). Note-se que os juízes tidos como garantistas são os que geralmente são atacados, ofendidos e escrachados por aqueles que são facilmente manipulados pelos meios de comunicação de massa. Ao contrário, os julgadores que leem na cartilha dos punitivista de plantão, são exaltados pela mídia opressiva. Para decidir de acordo com a maioria de ocasião, não é preciso coragem.
Referindo-se aos aparelhos de propaganda dos sistemas penais latinoamericanos (a fábrica da realidade). Os meios de comunicação social de massa, em especial a televisão, ZAFFARONI aponta que são os mesmos, na atualidade, “elementos indispensáveis para o exercício do poder de todo o sistema penal”. Sem os referidos meios de comunicação de massa, “a experiência direta da realidade social permitiria que a população se desse conta da falácia dos discursos justificadores; não seria assim possível induzir os medos nos sentido desejado, nem reproduzir os fatos conflitivos interessantes de serem reproduzidos em cada conjuntura, ou seja, no momento em que são favoráveis ao poder das agência do sistema penal”.[4]
No Estado Pós-Democrático, salienta CASARA, a exceção virou a regra e “Hoje, são as regras e, em especial, os direitos e garantias fundamentais, que aparecem como o principal conteúdo rejeitado pelos órgãos estatais de nossa época, por mais que o discurso oficial insista na existência de um Estado Democrático de Direito. Os direitos fundamentais não são mais percebidos como trunfos contra a maioria ou como garantias contra a opressão do Estado”. [5]
Assim, diante de “tempos sombrios” e do “Estado Pós-Democrático”, como alerta RUBENS CASARA, é necessário coragem.
“Coragem, virtude em desuso na vida pública, significa capacidade de superar o medo, de assumir riscos, sem motivação egoística. A coragem que funciona como condição de possibilidade da democracia, esse valor capaz de qualificar o Estado de Direito, é desinteressada, generosa e comprometida apenas com o projeto constitucional. Evidentemente, não significa a ausência de medo, mas a consciência de que o temor deve ser superado em nome da concretização dos direitos e das garantias fundamentais. O poder judiciário não pode se curvar às pressões para descumprir a Constituição da República. Deve, portanto, impor limites ao Estado Penal, mesmo quando a opinião pública, não raro forjada a partir da desinformação, defenda sua ampliação. Não pode deixar de contrariar o desejo da maioria, sempre que os direitos fundamentais das minorias estiverem em risco. Precisa consagrar a liberdade, apesar das perversões inquisitoriais de parcela da população e dos interesses que apostam no cárcere, e assegurar os direitos fundamentais, reafirmando limites éticos e legais, ainda que estes possam ser percebidos por parcela da população como obstáculos à eficiência repressiva do Estado”.[6]
Realmente é preciso Coragem. Coragem sem autoritarismo, coragem que se opõe à arbitrariedade. Coragem para julgar de acordo com a Constituição da República. Coragem para enfrentar a mídia opressora. Coragem para fazer o que é certo, ainda que a maioria diga que é errado. Coragem garantista. Coragem para enfrentar o opressor. Coragem para defender o oprimido. Coragem para ter bondade. Coragem para absolver. Coragem para libertar.
Notas e Referências
[1] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: verbete coragem
[2] Disponível em:< https://www.conjur.com.br/2018-jun-21/boas-razoes-obedecer-direito-desobedecer-moral
[3] ZAFFARONI, Eugênio Raul. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2014.
[4] ZAFFARONI, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
[5] CASARA, op. cit. p. 69-70
[6] CASARA, op. cit. p. 221-222.