Os barões da mídia brasileira são muito piores que Murdoch

Atualizado em 12 de junho de 2013 às 8:32

Eles não têm nem a sagacidade empreendedora e nem o talento jornalístico do dono da News Corp.

Murdoch com a mulher chinesa: um empreendedor de verdade, e um jornalista sagaz
Murdoch com a mulher chinesa: um empreendedor de verdade, e um jornalista sagaz

DE LONDRES

Livros, artigos, documentários acabaram me tornando quase que um especialista em Rupert Murdoch, o australiano que comanda um dos maiores impérios de mídia no mundo.

Vejo, aqui e ali, tentativas de comparar Murdoch a alguns dos barões de imprensa brasileiros. (Eu próprio, certa vez, estabeleci alguma conexão entre Murdoch e Roberto Marinho.)

Mas a verdade é que qualquer comparação com os barões brasileiros é injuriosa para Murdoch, com todos os defeitos que ele possa ter.

Murdoch ergueu seu império de mídia – Fox, Fox News, Times de Londres, Sun, Sky, entre outras marcas – porque é um empreendedor brilhante e também por ter um faro jornalístico raro.

Só isso já o distinguiria dos barões brasileiros, que nunca se notabilizaram nem pela excelência como empreendedores e nem pelo talento jornalístico.

Nossos barões viveram e vivem, fundamentalmente, dos favores de sucessivos governos.  Souberam montar alianças na justiça e nos partidos políticos, também, o que torna difícil qualquer mudança nos privilégios de que desfrutam.

Fotos recentes de João Roberto Marinho dando um prêmio a Joaquim Barbosa, ou de Merval Pereira confraternizando com seu prefaciador Ayres Britto valem por 1 milhão de palavras: alguém imagina o Supremo contrariando a Globo em alguma causa?

Nosso baronato exalta tanto as virtudes do livre mercado. Mas as empresas jornalísticas brasileiras ainda hoje são protegidas por uma reserva de mercado que só é benéfica para elas mesmas.

É como se você ao mesmo tempo acusasse à luz do sol juízes de futebol de ladrões e, na sombra, estivesse comprando-os.

Outras práticas antimercado como o infame BV seguem vivíssimas. BV – Bonificações por Volume – é um mecanismo criado por Roberto Marinho para manter as agências de publicidade sob dependência da Globo.

Funciona assim: as agências recebem uma comissão para veicular publicidade na Globo. Quanto mais veiculam, mais ganham. O dinheiro é pago adiantadamente – e sem ele muitas agências estariam quebradas.

Isso explica o aumento da receita publicitária da Globo mesmo quando sua audiência entra em colapso.

Por que os anunciantes – prejudicados nessa história – não se rebelam? Por medo. A Globo joga duro. Os anunciantes têm medo de que a Globo decida tirá-los da emissora.

Isso tende a ser um problema cada vez menor, dada a acentuada queda de audiência da Globo, mas no passado era um horror. Não aparecer na Globo, que tinha mais da metade do mercado de televisão, era se condenar à clandestinidade para grandes marcas.

E a Globo sempre soube usar isso da pior maneira possível.

Dias atrás, por ocasião de mais uma edição do ridículo Trofeu Imprensa, circulou um vídeo com um depoimento de Jô Soares que conta muito sobre isso.

Era 1987, e Jô acabara de sair da Globo e ir para o SBT. Jô contou que todos os comerciais de seus shows foram proibidos na Globo. Tentaram, ele conta, até impedi-lo de usar o nome “Gordo”.

A vingança não se limitou a ele. Foram banidos comerciais em que estivessem envolvidos redatores que trabalhassem para Jô.

Vale apena uma breve pausa para ver o depoimento de Jô.

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=T2KomLFp1Ks&w=420&h=315]

 

 

Com tudo que ele afirmou, você pode perguntar: ora, por que Jô voltou então à Globo?

Porque a Globo sabe comprar. A Globo comprou Jô, ou seu silêncio, e o colocou na madrugada.  Também já tinha comprado Paulo Francis, que era um crítico mordaz de Roberto Marinho e, na Globo, passou a falar mal da Petrobras.

Murdoch, como empreendedor, sempre arriscou.

Quase quebrou quando investiu fortemente em tevê paga.  Chegou a dar seu apartamento de Nova York como garantia para um banco, no começo dos anos 1990. Sua dívida era monumental:  8 bilhões de dólares.

Por causa dela, para não quebrar, Murdoch teve que se aliar a uma rival em tevê por assinatura, a BSB. (Daí a BSB-Sky.)

Recentemente, Murdoch estava prestes a comprar a parte da BSB, um velho desejo, já que sempre abominou sócios.

Só não comprou porque apareceu o já célebre escândalo do seu tabloide News of the World. O governo britânico, movido pela opinião pública, rejeitou o negócio.

Compare tudo isso com a Globo.

A Globo chegou à televisão por ganhar de graça uma concessão em troca de favores da ditadura militar.

Ganhou sucessivos empréstimos-mamatas  de sucessivos governos para negócios mesmo quando seus acionistas já eram bilionários.

FHC bancou, com o dinheiro do contribuinte, a gráfica gigante com a qual a Globo sonhou chegar a mais de 1 milhão de exemplares por dia com o Globo, pouco antes que a internet viesse e começasse a destruir os jornais.

Roberto Marinho de braços dados como general Figueiredo e a ditadura militar, a quem deveu e deu tanto
Roberto Marinho de braços dados como general Figueiredo e a ditadura militar, a quem deveu e deu tanto

Anos depois, quando a má administração da família a levou a enormes dificuldades financeiras, a Globo não fez os sacrifícios que Murdoch fez – arrumar um sócio e penhorar propriedades.

Simplesmente deixou de pagar. Lacaios como Jorge Nóbrega foram incumbidos de dar as más notícias aos credores. (Nóbrega absorveu tanto o espírito maldoso de seus donos que demitiu Juan Ocerin, diretor geral da editora Globo, entre o Natal e o Ano Novo por sugestão do filho de Roberto Irineu Marinho. Foi uma das maiores atrocidades de RH que vi em minha carreira.)

Não simpatizo, evidentemente, com as posições de Murdoch. Ele está muito à direita, para o meu gosto.

Mas é impossível deixar de reconhecer nele um empreendedor brilhante, e ao mesmo tempo um homem com uma aguda visão jornalística.

Comparar nossos barões a ele é um insulto que Murdoch definitivamente não merece.