Existem dois tipos de humor politicamente incorreto.
Um é destemido, porque enfrenta perigos reais. O outro é covarde, porque pisa nos fracos.
Os cartunistas do jornal francês Charlie Hebdo pertenciam ao primeiro grupo. Humoristas como Danilo Gentili e derivados estão no segundo.
Stéphane Charbonnier, o Charb, editor do Charlie Hebdo, disse uma frase sublime pela bravura e pela lucidez quando lhe perguntaram, algum tempo atrás, se não temia a vingança do fundamentalismo islâmico, depois de tantas charges sobre Maomé e de tantas ameaças.
“Prefiro morrer de pé a viver como um rato”, afirmou ele.
Charb tinha um ponto: num país laico, liberto há muito tempo do que Rushdie definiu como “irracionalidade religiosa”, era e é um absurdo não poder fazer sátiras sobre religião, qualquer delas.
Charb poderia recuar diante dos riscos. Mas, para ele e seus companheiros, isso equivaleria a viver como um rato.
Charb não conseguiria mais olhar para o espelho. Não se reconheceria, não se respeitaria.
Muitos absurdos são cometidos em nome da liberdade de expressão. Canalhas frequentemente a invocam com propósitos malignos e torpes.
Mas Charb verdadeiramente viveu — e morreu — pela liberdade de expressão. É justo tratá-lo como um mártir da liberdade de expressão, e reverenciá-lo enquanto existir alguma coisa parecida com jornalismo.
Os caricaturistas mortos não espezinharam minorias impotentes. O problema deles era com algo – o fundamentalismo islâmico – que os impedia de se expressar no mesmo tom que usaram tantas vezes para debochar de outras religiões.
Compare com a versão do humor “politicamente incorreto” de Danilo Gentili. Gentili é capaz de chamar uma mulata de “Zé Pequeno”, e de oferecer bananas a um internauta negro cansado de suas piadas racistas.
Ele provoca e estimula o que existe de pior no seu público, e não surpreende que seja seguido por pessoas como ele – preconceituosas, analfabetas políticas, estúpidas.
A coragem do humor “politicamente incorreto” de Gentili seria testada na França, desafiando coisas como o fundamentalismo islâmico, a exemplo do que fizeram Charb e companheiros.
Alguém consegue imaginá-lo neste papel?
Nem ele mesmo provavelmente, porque a essência de seu “humor” é a covardia. Chute quem não tem chance de devolver.
O que pôde fazer a mulata chamada de “Zé Pequeno”? Sequer a Justiça no Brasil coíbe esse tipo de agressão racista.
Um juiz conseguiu não ver racismo, numa sentença que entrará para a história da infâmia jurídica nacional, quando Gentili ofereceu bananas a um negro.
Gentili também se especializou em fazer humor contra o governo do PT. É um exercício interessando pensar como ele usaria sua “criatividade” se a presidência estivesse sob Pinochet, por exemplo.
Quando você vê gigantes do humor politicamente incorreto como os cartunistas franceses assassinados hoje por fanáticos, reconhece também pigmeus como Gentili.
Uma revista deu a seguinte chamada de capa quando Lennon foi assassinado: “O dia em que a música morreu.”
Você pode dizer agora, depois do fuzilamento bárbaro de Charb e companheiros: “O dia em que a charge morreu”.