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A difícil retomada do desenvolvimento econômico do Brasil. Por Rudá Ricci

Economia. Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil/Agência Brasil

Publicado originalmente no Facebook do autor:

Os empresários brasileiros festejam um crescimento do PIB neste ano que gira ao redor de 3,5%. Com um desemprego ao redor de 15% e aumento significativo do poder aquisitivo e precarização das condições gerais de trabalho no Brasil.

Sabemos como nosso empresariado é superficial e é incapaz de pensar um projeto nacional. Pensa a partir de seu próprio umbigo. Em 1994 lançaram as bases de uma ofensiva para desregulamentação dos direitos sociais sob o slogan da redução de custos de produção. De lá para cá, a intenção ficou mais nítida e hoje já percebemos que o resultado é o Brasil se consolidando como país produtor de commodities (sem qualquer capacidade de ditar os preços internacionais) vinculado aos jogos do capital financeiro. Um país sem nação, para resumir.

Em 2020, o setor que mais emprega no Brasil – serviços – sofreu uma queda econômica de 4,5%: o maior recuo da série histórica do IBGE. Este setor é responsável por 75% do cálculo do PIB e por quase 50% do emprego no país. O PIB da indústria caiu 3,5% no ano passado.

Daí a “vitória de Pirro comemorada pelos empresários tupiniquins”.

O que gostaria de salientar é um aspecto mais estrutural da aventura que caímos nos últimos anos que se acelerou a partir do governo Temer: nosso processo de desindustrialização acelerado. Não se trata de uma situação conjuntural, mas de desmontagem do parque industrial brasileiro e sua capacidade para criar, absorver mão-de-obra qualificada e colocar o país na vanguarda do desenvolvimento mundial.

A partir da crise do subprime norte-americano de 2008, a queda da participação da indústria na composição do PIB brasileiro foi praticamente constante.

Se corrigirmos os valores a preços correntes, o gráfico da queda da participação fica mais ameno (em 2008 a participação da indústria no total do PIB nacional seria de 22,9%, ao invés dos 15,6%), mas continua impressionante.

O presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), João Carlos Marchesan, afirma que os juros altos e câmbio baixo levaram a indústria de transformação brasileira a reduzir sua participação no PIB, dos quase 30% de 1980 para cerca 11% em 2016. Segundo o dirigente, caberá ao futuro presidente da República, além equilibrar as contas públicas, definir um novo modelo de desenvolvimento que resgate o papel da indústria nacional.

Segundo Marchesan, “nenhuma política de incentivos ou de desonerações compensa uma política macroeconômica hostil. Um ambiente desfavorável aumenta custos e reduz margens, o que certamente não faz do País um bom lugar para se produzir”.

Publiquei nesses dias um texto assinado por Sandro Silva, do sindicato dos técnicos do IPEA (Afipea) em que o autor destaca que “a participação da agropecuária e da indústria extrativa, somadas, ultrapassou a da indústria de transformação, o que não ocorria desde o final da década de 1950”. Silva está se referindo aos dados divulgados na semana passada a respeito do comportamento do PIB nacional no primeiro semestre deste ano.

Estamos vivendo um boom de preços de commodities, maior nível dos últimos 10 anos, o que aumenta nossa dependência em relação aos estoques dos produtos (ou processamento deles) por parte dos países importadores. Já levamos vários tombos, como o dado pela China nas importações de minério de ferro ou soja.

Silva destaca, ainda, que commodities empregam pouca mão-de-obra e, quando empregam, são empregos de baixa qualificação técnica. O que impacta no discurso liberal corrente que a educação leva ao sucesso individual. Educação não gera emprego, é bom que fique claro. O que leva ao emprego são políticas públicas de desenvolvimento, investimentos corporativos na produção e resultado da disputa de interesses entre trabalhadores e empresários. Se esses fatores são negativos, o esforço educacional redunda em desempregados ilustrados ou trabalhadores subocupados.

Lembremos que o desemprego de doutores no Brasil é dez vezes maior que a média do desemprego de doutores no mundo. Trata-se do que os liberais denominam de “vantagem comparativa”: para países produtores de commodities venderem muito, o mercado de trabalho estagna, os salários praticados são baixos e a mão-de-obra empregada tem baixa qualificação.

A taxa de investimento da economia brasileira, que é a relação entre os investimentos privados e o PIB, ficou em 15% no segundo trimestre de 2020, abaixo da taxa do mesmo período de 2019, que era de 15,3%.

Segundo ensaio das economistas Viviane Luporini e Joana Alves (“Investimento privado: uma análise empírica para o Brasil” publicado na revista Economia & Sociedade, da UNICAMP), há duas causas centrais para o baixo nível de investimento privado no Brasil: o crédito escasso e a instabilidade política. Em suas palavras:

“Segundo a CNI (2003), o financiamento à atividade produtiva no Brasil é escasso e constitui um obstáculo ao crescimento das empresas e do país. As taxas de juros reais nos empréstimos bancários são elevadas, o montante de crédito expresso como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) é mais baixo que nos países industrializados e nas economias emergentes. O valor do crédito bancário no Brasil, em 2004, era equivalente a 25,2% do PIB e encontra-se hoje em torno de 35% do PIB, enquanto nos países desenvolvidos, como Japão, este equivalia a 94,4% do PIB, e a 104% do PIB nos países da área do Euro. Em outras economias em desenvolvimento, a proporção do crédito bancário em relação ao PIB também é maior, como no Chile (57%), e na África do Sul (73%). (…) Além do crédito, a instabilidade política e econômica e as desvalorizações cambiais exerceram, em média, efeitos adversos sobre a formação bruta de capital fixo do setor privado na economia brasileira (…) “

Muitos analistas sustentam que o empresariado brasileiro entende de microeconomia, mas é absolutamente ignorante em relação à macroeconomia. Em suma, pensa em si e no curto prazo, mas é incapaz de perceber para onde o rio corre.

Talvez, por esse motivo, tenha comemorado a vitória de Pirro do resultado do PIB no primeiro trimestre desse ano. Como o governo Bolsonaro, quando percebe que o precipício está próximo, dá um passo à frente.

Rudá Ricci

Cientista político formado em Ciências Sociais pela PUC-SP, com mestrado em Ciência Política pela Unicamp. Doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. Presidente do Instituto Cultiva em Minas Gerais

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