A dificuldade do Jornal Nacional em lidar com sua criatura, Bolsonaro. Por Tiago Barbosa

Atualizado em 29 de agosto de 2018 às 0:07
Jair Bolsonaro no Jornal Nacional. Foto: Reprodução/GloboPlay

A fúria indomável do Jornal Nacional contra Ciro Gomes temperou a expectativa de ver os âncoras peitarem Jair Bolsonaro, candidato cuja linguagem é um mix de fake news de whatsapp com bordões fascistas das passeatas antipetistas.

Era a chance de deixar nua a debilidade das propostas e esvaziar o discurso de ódio do ex-militar, alçado ao estrelato das pesquisas eleitorais pela lacuna civilizatória e política instalada com os abusos da Lava Jato.

Mas os entrevistadores falharam com tentativas toscas de exigir complexidade de um presidenciável cujo compromisso com a humanidade se resume a andar de pé – e não de quatro como seria mais alinhado ao conteúdo das suas declarações homofóbicas, misóginas e racistas.

Bonner e Renata Vasconcellos repetiram erros de entrevistas passadas ao tentar extrair de Bolsonaro constrangimento sobre demonstrações públicas de preconceito e burrice.

Em vão. O candidato logrou visibilidade justamente por se alimentar da barbárie para a qual a mídia fechou os olhos, em anos recentes, porque era necessário extirpar o PT da vida pública.

Bonner ousou falar de corda em casa de enforcado e ficou desmoralizado quando o ex-militar disparou “Eu fico com o Roberto Marinho”, em alusão ao apoio da emissora ao golpe de 1964 – reconhecido pela empresa 50 anos depois.

A vergonha é redobrada porque a Globo é acusada por forças progressistas de liderar o golpe parlamentar de 2016 aplicado contra Dilma Rousseff e estendido ao ex-presidente Lula – silenciado em uma cela após uma condenação sem provas assinada por um juiz protegido pela emissora.

As reações de Bonner e Renata Vasconcellos se resumiram a frases balbuciadas e quase inaudíveis: “Não vai fazer nada sobre desigualdade salarial (entre homens e mulheres)”, “o senhor concorda com isso (retirada de direitos do trabalhador)”, afirmaram, de forma contida.

A atitude mais enérgica se deu quando Bolsonaro tentou acusar a Globo de remunerar de forma diferente homens e mulheres. “Pago o seu salário”, chegou a dizer a apresentadora.

Ele já havia acusado a empresa de “pejotizar” os funcionários – prática comum entre as empresas de mídia para cortar benefícios dos trabalhadores.

Voluntário na ignorância, truculento por vida e oportunismo, o candidato ainda usou o tempo na TV para defender abertamente o direito de policiais matarem com respaldo do estado – apologia ao vivo, para milhões de pessoas, em um país conflagrado pelo extermínio de jovens, negros e pobres pelas mãos da criminalidade e de parte de uma polícia assassina.

Os âncoras silenciaram – assim como sempre se calaram o Ministério Público e o Judiciário, cujo exemplo de omissão mais recente remonta ao adiamento do julgamento de Bolsonaro, à tarde, por ter se referido a negros como animais, pesados em “arrobas”.

O pesquisador Jessé Souza defende a tese segundo a qual Bolsonaro é filho da Lava Jato com a Globo, ou seja, do abuso corporativo com o antipetismo midiático, do fascismo com a seletividade e a omissão.

Ao fim do JN, Bonner leu fragmento do editorial no qual a Globo reconhece o apoio equivocado no golpe de 1964.

Surtiu pouco efeito.

Enfrentar a tirania de Bolsonaro exigiria da mídia revisar o próprio papel antidemocrático manifestado, cotidianamente, no desprezo às bandeiras e aos candidatos progressistas.

Mas isso nem a ONU conseguiu mudar.