A diplomacia do “obrigado, senhor”. Por Miguel do Rosário

Atualizado em 19 de agosto de 2025 às 13:35
Líderes da Europa em reunião com Trump na Casa Branca. Foto: reprodução

Apavoradas com a possibilidade de paz após o encontro entre Vladimir Putin e Donald Trump no Alasca, as lideranças europeias organizaram às pressas uma peregrinação a Washington. Não correram para salvar a Ucrânia, mas para implorar ao imperador americano que não permita o fim da carnificina. Sete dos mais poderosos líderes mundiais abandonaram suas agendas para se ajoelhar perante Trump, oferecendo tributos bilionários e adulação sem limites. O objetivo era claro: convencer o presidente americano a abraçar propostas que Putin jamais poderia aceitar, garantindo assim a continuidade de uma guerra que a Europa insiste em prolongar.

O espetáculo da subserviência atingiu proporções grotescas, como documenta o Washington Post em reportagem divulgada hoje. Volodymyr Zelensky, que em fevereiro foi humilhantemente expulso da Casa Branca por Trump, aprendeu a lição da bajulação. Em apenas quatro minutos e meio, o presidente ucraniano agradeceu ao líder americano onze vezes. “Obrigado, senhor presidente, por nos receber. Obrigado”, repetiu Zelensky numa performance que incluiu agradecimentos por receber um mapa de seu próprio país. A transformação foi completa: do uniforme militar que irritava Trump para o terno que o agrada, da postura altiva de fevereiro para a genuflexão de agosto.

A corrida dos vassalos europeus não ficou atrás em servilismo. Emmanuel Macron, Friedrich Merz, Keir Starmer, Giorgia Meloni, Ursula von der Leyen e Mark Rutte formaram um coro de adulação, cada um competindo para ver quem cortejava Trump com mais eficiência. O secretário-geral da OTAN chegou ao cúmulo de chamar o presidente americano de “querido Donald”, enquanto todos se revezavam em agradecimentos e elogios. Sete líderes que comandam centenas de milhões de europeus reduziram-se a cortesãos ansiosos por aprovação imperial, numa demonstração de vassalagem que teria envergonhado até os diplomatas do Sacro Império Romano.

Os tributos do desespero

Os tributos oferecidos revelam o pânico europeu. A Ucrânia propôs comprar 100 bilhões de dólares em armas americanas, com financiamento europeu, numa tentativa frenética de comprar influência e impedir qualquer acordo de paz. O dinheiro dos contribuintes europeus seria usado para enriquecer o complexo militar-industrial americano, enquanto Trump decidia o destino do continente. A Europa, que um dia se orgulhou de sua autonomia estratégica, reduziu-se a pagar tributos para manter relevância nas decisões sobre seu próprio futuro. A vassalagem estava completa: não apenas política, mas também econômica.

Por trás dessa submissão diplomática está uma estratégia calculada e perversa. As lideranças europeias não querem paz, querem prolongar a guerra. Sua tática é convencer Trump a abraçar uma proposta que Putin jamais poderia aceitar: um cessar-fogo que seria apenas uma pausa para rearmamento ucraniano. Essa enganação permitiria à Ucrânia se reorganizar militarmente enquanto mantém a retórica de “negociações de paz”. Na prática, seria um cessar-fogo falso, um preparativo para uma nova guerra, não uma solução definitiva. A Europa sabe que Putin não pode aceitar essa farsa, e é exatamente isso que deseja: manter o conflito ativo indefinidamente.

O contraste com a postura de Putin é revelador. O líder russo também empregou bajulação durante seu encontro com Trump no Alasca, mas de uma posição completamente diferente. Putin bajulou como representante de um país que está vencendo a guerra, não como um suplicante humilhado. Seus elogios a Trump tinham o objetivo de consolidar vantagens, não de implorar por sobrevivência. O resultado foi imediato: Trump culpou Zelensky nas redes sociais, sugerindo que a Ucrânia deveria prometer nunca aderir à OTAN e ceder a Crimeia.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: Christopher Furlong/AFP

A morte da diplomacia real

Essa farsa diplomática contrasta brutalmente com os princípios da verdadeira diplomacia, como definidos por Michael von der Schulenburg em entrevista ao analista Glenn Diesen. O veterano diplomata alemão, com 34 anos de experiência na ONU, estabelece que a diplomacia real se baseia em três pilares: demonstrar respeito ao adversário, ouvir suas posições e tentar compreender suas motivações.  Por isso, ele comemorou o encontro de Putin e Trump, na última sexta-feira, no Alaska, como uma maneira de ressuscitar um pouco da diplomacia clássica, que parece ter sido morta e enterrada pelas potências ocidentais de hoje.

Von der Schulenburg, membro de um dos raros partidos de esquerda europeus que não sucumbiram à russofobia, observa que a Europa passou de arrogante para servil, mas nunca aprendeu a ser diplomática.

Especialistas internacionais há anos alertam sobre as verdadeiras causas deste conflito, análises que a Europa prefere ignorar em sua obsessão por prolongar a guerra. John Mearsheimer, da Universidade de Chicago, documenta como a expansão da OTAN para o leste violou promessas implícitas e ignorou preocupações legítimas de segurança russa. Emmanuel Todd, em “A Derrota do Ocidente” (janeiro de 2024), diz que a demonização de Putin ignora o fato de que ele conseguiu estabilizar o país, conquistando avanços importantes para a sociedade russa, como reduzir dramaticamente a mortalidade infantil, aprimorar a educação e recuperar a infra-estrutura. Scott Horton, em “Provocado” (maio de 2024), documenta as provocações sistemáticas americanas desde o fim da Guerra Fria. Jonathan Haslam, em “Arrogância” (setembro de 2024), analisa como a soberba ocidental criou o isolamento russo. Todos concordam: a guerra tem antecedentes que devem ser discutidos para que seja possível construir uma paz real.

A realidade que a Europa se recusa a aceitar é que a Ucrânia já perdeu esta guerra. O país não tem mais soldados suficientes para lutar, os Estados Unidos não têm mais armas para fornecer em quantidade necessária, e a Europa não tem mais dinheiro para sustentar o esforço de guerra indefinidamente. O território ucraniano continua sendo perdido, a população foge em massa, e a economia está destruída. Mesmo assim, as lideranças europeias preferem a negação da realidade à aceitação da derrota, prolongando desnecessariamente o sofrimento de milhões de pessoas. A obsessão europeia por evitar a paz tornou-se mais importante que salvar vidas.

A única solução viável é um acordo definitivo que discuta as causas da guerra, não apenas seus sintomas. As preocupações de segurança russas são legítimas e devem ser ouvidas, não ignoradas. Um acordo real exige reconhecer que a expansão da OTAN foi um erro estratégico, que as promessas feitas à Rússia foram quebradas, e que a neutralidade ucraniana é essencial para a estabilidade europeia. Isso significa aceitar os termos russos e buscar uma solução diplomática definitiva, não um cessar-fogo enganoso que apenas prepararia uma nova guerra. A Europa precisa escolher entre o realismo da paz e a fantasia da vitória militar impossível.

“diplomacia do obrigado, senhor” representa o epitáfio da dignidade europeia. Um continente que um dia ditou os rumos do mundo reduziu-se a mendigar relevância nas decisões sobre seu próprio destino. A corrida desesperada a Washington revelou não apenas a perda de soberania europeia, mas a transformação de líderes em cortesãos, de aliados em vassalos, de diplomatas em aduladores profissionais. Como observa von der Schulenburg, a Europa perdeu não apenas uma guerra, mas sua alma diplomática. O preço da negação da realidade é sempre mais alto que o custo da aceitação da verdade, e a Europa está pagando esse preço com juros compostos de humilhação e irrelevância crescentes.

Publicado originalmente no portal O Cafézinho