A direita brasileira fracassou de novo. Por Emir Sader

Atualizado em 1 de junho de 2020 às 12:12
Ao receber a faixa de FHC, Lula inicia um ciclo virtuoso de governos de esquerda no Brasil

A historia da direita brasileira é uma historia sucessiva de fracassos. O Brasil foi dirigido, ininterruptamente, pela direita, até a crise de 1929.

A responsabilidade da crise recaiu, unanimemente, na direita, porque ela era liberal e o liberalismo deixou a crise se alastrar, com sua visão de que o mercado produz periodicamente crise, mas ele mesmo recompõe a economia, algumas empresas mais frágeis quebram, as mais sólidas saem mais fortes e a economia segue em frente. Mas aquela vez a recessão foi mais profunda que nunca, o desemprego nos Estados Unidos e na Inglaterra chegava a 30%, e o mercado se mostrava incapaz de recompor a economia e os empregos.

Todas as reações foram antineoliberais, seja o fascismo, a URSS ou o Estado de bem-estar social. Este, com Roosevelt retomando a Keynes, se tornou o modelo de governo hegemônico durante décadas. A Europa chegou a ter três décadas de pleno emprego. Um presidente de direita nos EUA, como Richard Nixon, chegou a afirmar, no começo da década de 1970: “Somos todos keynesianos”.

Quem implementou o Estado de bem-estar social na Europa não foi predominantemente a social-democracia, mas a direita, na Alemanha, na Itália, na Franca, na Inglaterra, de tal forma esse tipo de Estado era consensual. Durante décadas não se falava de educação privada, mas de educação pública. O liberalismo desapareceu da cena politica, considerado ideologia exótica, que defendia posições anti-estatais, completamente contrária ao consenso majoritário.

No Brasil, a direita foi sucessivamente derrotada, desde que foi derrubada pela revolução de 1930. Seu último presidente, Washington Luis, se notabilizou pela afirmação de que “a questão social é questão de polícia”. A partir do governo de Getulio, a direita foi sucessivamente derrotada. A queda do Getulio, em 1945, não representou o fim do getulismo, que teve continuidade com o próprio Getúlio em 1950.

A direita se concentrou em ofensivas golpistas, coordenadas pela Escola Superior de Guerra, fundada por Golbery do Couto e Silva e Castelo Branco – os mesmos que finalmente comandaram o golpe de 1964. Enquanto perdia as eleições com a UDN, o partido civil sucessivamente derrotado. O suicídio do Getúlio adiou a ditadura por dez anos mas, antes disso o governo de JK representou uma mudança estrutural importante, com a chegada de maciços investimentos norte-americanos, tendo a indústria automobilística como carro chefe, o que mudou a direção do desenvolvimentismo brasileiro, agora sob hegemonia dos capitais externos. Jango era vice de JK, evidenciando como os setores populares se encontravam subordinados no novo bloco de forças no governo.

A maior vitória da direita na história do Brasil não se deu de forma democrática, mas pelo golpe de 1964, que terminou com um período de instabilidade politica e afirmou um modelo econômico que, para o capitalismo brasileiro, foi eficiente. Ele afirmou a via brasileira como uma alternativa na América Latina, abrindo caminho para outras ditaduras – na Uruguai, Chile e Argentina -, que, no entanto, não tiveram sucesso, por perderam o fim do ciclo expansivo do capitalismo, aproveitado pelo Brasil.

A ditadura militar foi o período de maior sucesso da direita brasileira. Na democratização, ela conseguiu derrotar uma saída que não apenas redemocratizasse o país, mas também pusesse em prática um modelo econômico distinto. O governo Sarney foi uma vitória da direita, por impedir uma saída à esquerda da ditadura, mas foi um fracasso político como governo.

A outra grande vitória da direita se deu já no período neoliberal, com os governos do Collor e do FHC. Conseguiram impor o ideário neoliberal. Politicamente, derrotaram Lula e o PT três vezes sucessivas, duas delas no primeiro turno. Parecia que enterravam a esquerda e consagravam o neoliberalismo, com a condenação do Estado, dos gastos públicos, dos direitos dos trabalhadores, com o ajuste fiscal como valor absoluto. A virada da pagina do getulismo, anunciada por FHC, pretendia virar a página da divisão direita-esquerda, das alternativas de esquerda ao neoliberalismo, da liderança do Lula, do PT, dos sindicatos e de todos os movimentos sociais.

Foi uma vitória da direita deslocar a centralidade das questões sociais – no país mais desigual do continente mais desigual – para a temática neoliberal: inflação, gastos excessivos e ineficiência do Estado, o mercado como melhor alocador de recursos – que permaneceram na opinião publica até hoje, com exceção dos anos dos governos do PT. A inflação foi contida mas, sem políticas sociais, a desigualdade social aumentou, a recessão se instaurou, junto com o desemprego. A vitória se tornou uma derrota.

Os anos dos governos do PT foram a maior derrota da direita até aqui, na história brasileira. O Brasil viveu seus anos mais virtuosos, com desenvolvimento econômico, distribuição de renda, diminuição das desigualdades, aumento da inclusão social. A economia cresceu sem inflação descontrolada, nem desequilíbrio desordenado das contas publicas. O próprio déficit da Previdência diminuiu, com a criação de mais de 20 milhões de empregos com carteira assinada. O salário mínimo subiu 70% acima da inflação. A democracia política regeu plenamente, assim como a liberdade de imprensa. A imagem do Brasil no mundo nunca foi tão boa, o país projetou o Lula como o líder político mais importante.

Derrotada, a direita, derrotada em quatro eleições democráticas, tratou de sabotar os governos do PT, desde o seu começo. Acusações de corrupção, apoiadas em ações ilegais de setores do Judiciário, silêncio cúmplice de outros, campanhas de mídia para desestabilizar os governos, finalmente mobilizações para gerar o clima que gerou o golpe de 2016.

Nova e contundente vitória da direita. No que deu? Há quatro anos, podemos nos dar conta no desastre em que deu a ação concertada da direita – meios de comunicação, empresariado, Judiciário: no maior desastre da historia brasileira, com recessão e desemprego recordes, com desprestígio mundial nunca visto do país, com mais de mil brasileiros mortos diariamente, sem qualquer ação eficaz do governo, que ficou ao deus dará, sem governo, sem presidente, gerando a pior crise da nossa historia.

Uma vez mais, a direita fracassou, mostrando o que ela tem a propor ao pais. Bolsonaro é resultado da ação da direita. O Brasil atual é produto do que a direita tem a dar ao país. A esquerda mostrou, com os governos do PT, sua proposta para o Brasil, e a vigência da polarização entre direita e esquerda, com projetos radicalmente contraditórios para o nosso pais.