A dolorosa consequência da facada em Bolsonaro: eleitoralmente, foi positivo para ele. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 7 de setembro de 2018 às 16:59
Bolsoaro faz um joinha ao deixar o hospital de Juiz de Fora

Na última foto tirada na Santa Casa de Juiz de Fora, antes da transferência para o hospital Albert Einstein, em São Paulo, Jair Bolsonaro parece sorrir. Há um outro registro fotográfico em que ele aparece fazendo sinal de positivo.

Três horas depois de chegar ao hospital, o Twitter do candidato informou: “Estou bem e me recuperando!”

Quem não soubesse o que ocorreu — Bolsonaro foi esfaqueado e correu risco de morrer — poderia até imaginar que o candidato do PSL estivesse feliz.

São manifestações que alimentam a teoria delirante de que o atentado a Bolsonaro não passou de armação.

Os adeptos dessa teoria, que faz lembrar lendas criadas, por exemplo, com a doença de Tancredo Neves, em 1985, são capazes de apontar evidências de que não estão errados.

Desde ontem, compartilham a foto tirada no centro cirúrgico da Santa Casa de Juiz de Fora que mostra Bolsonaro na maca e médicos cuidando dele, sem luvas e um dos profissionais com calçado impróprio para esse tipo de procedimento, um croc.

A foto em si não é armação. Tanto que o hospital informou que a Polícia Federal tentou apurar quem fez o registro e vazou a imagem, já que se trata de uma violação do direito de privacidade do paciente.

No centro cirúrgico, imagina-se que os profissionais usem proteção esterilizada para calçados e luvas, cuidados para evitar contaminação.

O leigo que já teve oportunidade de entrar num centro cirúrgico sabe que tem de vestir roupas próprias e encapar os sapatos com uma espécie de meia de tecido esterilizado.

Sem proteção, o risco de infecção em quem está passando por uma cirurgia existe.

Ainda mais no caso de Bolsonaro, que teve o seu abdômen aberto por um grande corte vertical, feito para que os médicos pudessem estancar a hemorragia e suturar o intestino, atingido pelo golpe de faca.

A favor da tese da armação, invocam ainda as imagens do atentado e das cenas que se seguiram: nelas, não há sangue.

A faca aparece sendo tirada do estômago de Bolsonaro sem nenhum pingo de sangue.

A anatomia certamente explica por que isso ocorreu, mas em casos de grande repercussão todos se tornam especialistas em medicina.

Quando Tancredo adoeceu, na véspera de tomar posse como presidente, havia gente que assegurava que a doença do então presidente eleito era, na verdade, fruto de uma infecção causada pelo tiro de bala dundum, calibre 22.

Tiro que teria sido disparado por um anão na saída de uma missa em Brasília.

A jornalista Glória Maria esteve ausente da TV Globo durante esse tempo e contaria mais tarde que foi um período de férias normal, mas muitas pessoas associaram sua ausência do vídeo a um suposto testemunho do suposto atentado.

Foi uma lenda urbana.

No caso de Bolsonaro, o que dá aparência de verdade a essas teorias delirantes é que, afastado o risco de morte, constata-se que o maior beneficiário do atentado foi o próprio candidato do PSL.

Isto é fato.

O chamado mercado, que se manifesta pelos índices da bolsa e a cotação do dólar, reagiu com otimismo à facada: o dólar caiu e as ações das empresas subiram.

Desde que Geraldo Alckmin deu mostras de que está politicamente em estado de coma, a tendência do tal mercado foi o de apoiar o candidato do PSL.

Certamente, não foi por acaso o encontro de Bolsonaro com um dos donos da Globo, João Roberto Marinho, na véspera do atentado.

Marinho o recebeu na sede da emissora, para um encontro reservado, sem registro jornalístico.

A conversa foi intermediada pelo economista Paulo Guedes, uma estrela do mercado, que foi recentemente capa da revista Veja como se fosse, ele próprio, o candidato a presidente.

Antes do atentado, a chance de Bolsonaro se eleger presidente era praticamente nula, dado seu elevado índice de rejeição: acima de 60%.

A expectativa é que, Bolsonaro internado, a rejeição diminua.

Os adversários, numa situação assim, devem poupá-lo de ataques.

O ex-governador paulista Geraldo Alckmin, que hoje disputa com Bolsonaro uma vaga no segundo turno, já retirou do ar as propagandas que mostravam Bolsonaro ofendendo mulheres.

Seus aliados não escondem o entusiasmo.

Os pastores Magno Malta e Silas Malafaia já falam na vitória dele no primeiro turno das eleições.

Magno gravou um vídeo na própria UTI, com duas cenas editadas. Em uma, ele aparece orando com os filhos de Bolsonaro. Na outra, Bolsonaro dá declarações, como se a oração já tivesse produzido resultado.

Quem apostar que Bolsonaro armou o atentado vai errar. Conspirações não resistem ao envolvimento de tantas pessoas.

É lenda.

Mas negar que o potencial positivo da facada no desempenho de Bolsonaro é ingenuidade.

Para Silas Malafaia, cabo eleitoral dele, foi um “sinal” (seria divino?) de que “Bolsonaro deve ser o próximo presidente do Brasil”.

Para os players do mercado, que buscam lucros altos e rápidos, a facada parece ter sido vista como uma bênção.

Sinistro esse mercado.

Cenas do centro cirúrgico: médicos sem luvas e com calçados impróprios