A dor das mães e dos pais de Santa Maria pode ser vencida?

Atualizado em 31 de janeiro de 2013 às 0:03

As reflexões dos filósofos ocidentais e orientais sobre as perdas terríveis ao longo da vida.

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É uma daquelas situações em que você aprende que existem coisas piores do que morrer. Ver seu filho morrer, por exemplo.

Todos os grandes filósofos se detiveram na questão da morte.

Montaigne dizia que o teste real de caráter de uma pessoa era a maneira como ela se comportou diante da morte.

Ele citava Sócrates e Sêneca. Sócrates consolou seus discípulos, um dos quais Platão, antes de tomar serenamente a cicuta que a abjeta justiça ateniense lhe impôs.

Sêneca fez a mesma coisa, alguns séculos depois, quando seu antigo aluno Nero, já então desvairado, o obrigou a cortar os próprios pulsos e se matar.

Os romanos tinham um dito para se acostumar à ideia da morte: “Memento mori”. Em latim, lembre-se de que vai morrer.

Paradoxalmente, quanto mais você reflete sobre a morte, menos sufocante o fantasma dela é em seu dia a dia. Milarepa, um sábio tibetano, morava perto de um cemitério para se lembrar de que um dia morreria, e tinha uma caveira com o mesmo propósito.

Mas e quando a morte aparece para você não direta, mas indiretamente? Seu filho moço deu um beijo em você, avisou que ia a uma boate e acabou envolvido numa tragédia absurda como a de Santa Maria?

É uma daquelas situações em que você aprende que existem coisas piores do que morrer. Ver seu filho morrer, por exemplo.

Em sua imensa precariedade, a vida não poupa ninguém da possibilidade de uma catástrofe dessas. Pais enterraram, enterram e enterrarão filhos.

Príamo, o rei de Troia, tivera uma vida perfeita: dinheiro, poder, a admiração de seu povo. Velho, próximo do fim, foi obrigado a ver seu filho Heitor ser arrastado pelo chão, morto, no curso da guerra entre gregos e troianos.

“Ninguém pode dizer que foi feliz até o último momento da vida”, disse um filósofo com base no martírio sofrido por Príamo quando ele parecia prestes a encerrar uma existência gloriosa.

Para casos de pais que enterram filhos, a melhor consolação deriva do budismo, a singular religião oriental em que não existe Deus.

Na soberba fábula budista dos grãos de mostarda é contada a história de uma mãe desesperada com a morte de seu filho.

Ela recorre a Buda, de quem ouvira dizer que era capaz de fazer milagres. Buda a ouve e diz a ela que vai ressuscitar seu filho desde que ela leve a ele grãos de mostarda.

Não quaisquer grãos. Mas de alguma casa que não houvesse experimentado uma grande perda. Ela bate de porta em porta, e não encontra uma única casa sem perda.

A mãe entende então que o sofrimento é universal, e que estava irmanada à humanidade pela dor.

A dor solitária é a pior delas. A dor compartilhada é suportável. A mãe acaba virando monja, e se junta ao grupo de Buda. Aceitou sua sorte, que é a de todos – o sofrimento ao longo da jornada.

Penso nos grãos de mostarda, penso nas mães e pais e avós e avôs de Santa Maria, e por um momento sou tomado pela esperança de que, como na fábula budista, eles encontrem consolação que lhes permita seguir adiante, seja lá para onde for.