A dor póstuma do editor

Atualizado em 24 de maio de 2013 às 11:40
Elisa Lynch, mulher de Solano López

É possível um editor sentir uma dor póstuma?

Sim.

Isso acontece quando, muito tempo depois, você vê algo que teria enriquecido um texto importante que editou.

Acaba de acontecer comigo.

Li “A Calúnia”, a biografia de Elisa Lynch, a controversa e fascinante irlandesa que foi mulher do Mariscal Solano López, o ditador sob o qual o Paraguai foi esmagado pela Tríplice Aliança na segunda metade do século 19. Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para destruir López e, com ele, o Paraguai, que saiu da guerra sem população masculina em idade sexiualmente ativa.

Não vou falar aqui das gargantas cortadas dos presioneiros paraguaios a mando do sanguinário Conde d’Eu, o genro que Pedro II enviou para a frente depois que o Paraguai já estava no chão.

É de Elisa e da dor póstuma do editor que vou falar.

Elisa morava em Paris quando López, numa viagem, a conheceu. Ficou maravilhado, como tantos homens. Elisa era linda, ousada, charmosa. Ao se instalar com López em Assunção levou para lá coisas que os paraguaios desconheciam, como os vestidos parisienses ,a polca e o teatro. Foi vista com suspeita o tempo todo pela sociedade local por ser estrangeira, bonita, influente. Estava com López quando ele e seu filho Pancho morreram heroicamente em Cerro Corá, no Paraguai.

O livro que li se chama calúnia porque os autores, Michael Lillis e Ronan Faning, decidiram ir além do julgamento que foi feito sobre Elisa pelos vitoriosos na guerra. Prostituta era uma das acusações que lhe fizeram.

Então.

No prefácio, fico sabendo que por trás das pesquisas estava o Comandante Rolim, da TAM, a quem o livro é dedicado in memorian.

Eis o que Lillis diz de Rolim no prefácio: “Ele adorava Elisa Lynch: para Rolim, ela era fascinante, determinada, inteligente e simplesmente irresistível. (…)  Apesar de todas as suas preocupações empresariais, era um intelectual apaixonado e um historiador amador. Sua coleção de documentos e edições originais dos primeiros livros sobre a guerra era extraordinária; mais notável é que os havia lido e podia citá-los minuciosamente.”

Crianças lutaram — e morreram — pelo Paraguai

Minha dor póstuma veio por causa do perfil que fizemos de Rolim quando lhe demos à TAM o título de Empresa do Ano, na Exame. Orientei pessoalmente o jornalista incumbido de escrever o texto, Nelson Blecher. Pedi que as entrevistas não fossem apenas na TAM. Eu queria que também houvesse conversas na casa de Rolim, onde o repórter estaria em melhores condições de extrair dele dele coisas que fizessem nosso perfil ser o melhor jamais publicado. Paixões, caprichos pessoais, por exemplo, todas aquelas coisas que dão uma nova dimensão a um texto jornalístico.

Nem uma linha sobre a paixão de Rolim pela Guerra do Paraguai.

Rolim tinha montado uma companhia aérea no Paraguai. Lillis conta um detalhe sobre a morte de Rolim. Eles tinham um encontro para falar do livro sobre Elisa Lynch. Rolim iria se atrasar. Por isso pegou o helicóptero no qual morreria junto com a funcionária da TAM que,  conforme escreve Lillis, organizara a reunião.

Ao ler o livro, fui conquistado por Elisa Lynch, conheci um Rolim que ignorava — e senti a dor póstuma do editor quando, anos depois, sabe que poderia ter entregado mais para os leitores,