A economia da morte é a morte da riqueza. Por Fernando Brito

Atualizado em 24 de março de 2020 às 7:52
Cemitério. Foto: Agência Brasil

Publicado originalmente no blog Tijolaço

POR FERNANDO BRITO

Desde os anos 70 acompanho, tanto por dever de ofício quanto por interesse pessoal, as discussões econômicas e, portanto, vi os acadêmicos serem progressivamente substituídos pelos “operadores de mercado”.

Por isso, é triste ler, como li em diversas partes, o raciocínio dos economistas tão próximo do “velho da Havan”, dizendo que não podemos parar diante da pandemia, porque isso nos levará à “desgraça econômica”, o que é pior que uns quantos velhos e adoentados mortos.
Uau! É triste ver como repetem o discurso mais estúpido de que é a empresa que produz riqueza, como se esse processo não fosse o do trabalho produzindo riqueza, e sim a riqueza produzindo trabalho, como dizem.

A riqueza é produto do trabalho, muito menos do próprio que do alheio, embora seja valorada como “conquista do indivíduo”, apenas. É o que precisamos entender nesta crise. Alguém precisa dizer, sem medo, que a riqueza deles vem do trabalho dos outros, e não o contrário. Que o dinheiro não é um valor intrínseco, mas a representação dos meios de troca e que sua posse em quantidades estúpidas significa poder e privilégio, como o ouro representava aos reis e nobres.

Dizer que este país e seus privilegiados, bem aquecidos pela fornalha alimentada a carvão humano, já não pode ser como na escravidão, onde não tinha importância (como diz o tal dono de hamburgueria) que morressem “uns cinco ou sete mil” nos navios negreiros, porque a economia canavieira não podia parar, como – que horror! – se o país fosse quebrar porque abolia a servidão dos negros e negras que faziam o Brasil Colônia e, depois, o Brasil Império funcionar!

Mas e o dinheiro para fazer a vida fluir, pagar as pessoas, de onde virá?

É curioso que todos eles tratem com absoluta normalidade – e aplausos inflamados! – que se liberem bilhões e trilhões como soro para hidratar bancos e empresas e, quando se trata de fazê-lo com seres humanos, se lembrem que eles faltam e são limitados.

Não há dinheiro? Que se o imprima, em quantidades dosadas, porque não fará mal, fará bem, como a água e sal do soro injetado em nossas veias nos momentos de crise nos salvam da morte. Nem o efeito na inflação será forte, porque cai o consumo, cai a circulação e é difícil aumentar preços do que não se vende.

O que não se pode fazer é permitir que as pessoas morram de vírus, de fome ou desespero, porque – além de nossa identidade humana repugnar-se disso – cada uma delas que se vai é riqueza que se dissipa.

Não sou – e os leitores a quem enfado sabem disso – um desatento ao mundo do dinheiro que governa o mundo. Muito menos desfaço da ciência econômica, desde que ela, como as palavras que Brecht colocou na boca de Giordano Bruno, sirva para aplacar o sofrimento humano.
Esta crise mudou e vai mudar mais este mundo. Que se globalizou na doença, mas se desglobalizou – e muito – na queda do comércio, na consciência de que as nações precisam de algum grau de autossuficiência industrial, no bloqueio e restrições de fronteiras.

Na era da privatização, isto deixou de ser um valor absoluto, ao encararmos a necessidade de saúde pública estatal, de controle público estatal, da representação do Estado como regulador das relações humanas, de quem queremos e exigimos ação.

Infelizmente, não temos homens públicos capazes de quebrar os falsos deuses, habitantes do panteão do Mercado que, nos últimos 30 ou 40 anos, todos aceitaram como crença única.

A realidade está revelando que eles, esses homens do Mercado, são maus, desumanos, impiedosos com os pobres, os velhos, os doentes, com os que devem ser sacrificados.

Como se mandassem Isaque matar Abraão como prova de fé.