
A aparente loucura que tomou conta do mercado de petróleo hoje pode ser resumida em uma frase: chegou a hora da verdade. Era uma crise que estava sendo adiada desde 2008, quando o sistema financeiro americano quebrou, mas os maiores bancos não fecharam porque foram salvos pelo Estado.
“O governo injetou dinheiro nos bancos, que, por sua vez, aumentaram o financiamento da produção de petróleo nos Estados Unidos”, disse o presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Felipe Coutinho, que acompanhou o movimento nas bolsas de hoje.
“O coronavírus precipitou uma crise que viria, em um sistema que tem muito capital fictício e se alimenta de expectativa, de situações ilusórias”, afirmou.
A crise é muito maior no universo dos produtores dos Estados Unidos, organizados em torno do WTI (West Texas Intermediate) e com negociação na Bolsa de Nova York.
Esses produtores estão basicamente no Golfo Pérsico e no Estado do Texas.
Hoje, quem tem petróleo comprado está pagando para que os produtores não entreguem o produto. Isso porque não há local para estocagem, já que o mundo — e principalmente os Estados Unidos — estão consumindo muito menos petróleo.
“Hoje estamos vivendo uma situação em que os navios petroleiros estão parados cheios de petróleo, à espera de que o consumo volte a aumentar”, comentou Felipe.
Na hipótese de que alguém, a essa altura, quisesse comprar o petróleo, em vez de pagar, receberia recursos, mas teria que fazer investimento para estocar o produto, já que o consumo foi drasticamente reduzido.
Há quatro meses, o barril de petróleo era negociado a US$ 65,9 dólares. Hoje, fechou pela primeira vez na história em valor negativo: – 37,6.
Na Bolsa de Londres, por outro, que negocia o produto de petroleiras em geral controladas por estados, a maioria do Oriente Médio, conhecido como Brent, o tombo foi muito menor e não chegou ao ponto do produtor, em tese, ter que remunerar o comprador.
A queda foi de 6,27%, com o barril negociado a 26,32 dólares o barril. Como o mercado lá fechou antes, é preciso aguardar até amanhã para saber se não haverá queda mais expressiva.
O fato é que, se mantida a queda recorde no preço do petróleo, há risco de contaminação do sistema financeiro e, inclusive, do valor da moeda dos Estados Unidos.
É que bancos alavancaram a produção de petróleo, com juro barato, mas não negativo. “Há o risco de contaminar o sistema financeiro e haver quebra de bancos”, disse Felipe.
A situação é inédita e exigirá saídas igualmente fora do padrão.
A ruína — pelo menos temporária — da indústria do petróleo é apenas uma face do fracasso da economia ultraliberal, sem regulação do Estado. É verdade que, em momentos de crise, como a de 2008, o capital muda seu discurso e se socorre do dinheiro público.
Desde o início da década de 80, a regra que funciona é: o lucro é privado, mas o prejuízo é público.
No fundo, se a sociedade não se organizar, quem vai pagar pelo fim dessa era é o mais pobre.
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O presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras é o convidado desta noite do DCM TV, na live Essencial.