A romancista inglesa Anne Brontë (1820 – 1849), nascida em uma família de escritoras talentosas, teve sua imagem ofuscada pela de suas irmãs, as geniais Emily e Charlotte Brontë, autoras, respectivamente, de O Morro dos Ventos Uivantes e de Jane Eyre. Seu livro mais famoso, A Moradora de Wildfell Hall, foi publicado em 1848, um ano antes de sua morte precoce. O livro foi um fenômeno, e todas as cópias foram vendidas em seis semanas. A trama chocou a Inglaterra de seu tempo, assim como a própria protagonista escolhida por Anne. Não revelarei seu segredo — seria um spoiler imperdoável –, mas direi que recomendo (e muito) que leiam o livro. Muitas das questões abordadas nele são relevantes ainda nos dias de hoje.
Miss Brontë, existe uma clara distinção entre a maneira como educamos os meninos e a maneira como educamos as meninas em nossa sociedade. Helen Huntington – ou Graham –, a protagonista de seu romance A Moradora de Wildfell Hall, contesta esta lógica com veemência.
Muitas pessoas evitam criar os filhos do sexo masculino muito cuidadosamente, partindo da ideia de que, se você cultivar um carvalho brotando em uma estufa, cuidando dele com atenção dia e noite e protegendo-o de qualquer lufada de vento, não poderá esperar que ele se torne uma árvore resistente, como a que cresce na encosta da montanha, exposta a todo o tipo de ação da natureza e nem mesmo escudada do choque da tempestade. Já as meninas são criadas com toda a delicadeza e ternura, como uma planta em uma estufa – são ensinadas a se agarrar aos outros procurando apoio e direção; e poupadas, tanto quanto possível, de conhecer o mal.
Por que essa distinção é feita?
Talvez achem que as mulheres são desprovidas de virtude.
Como assim?
Para muitos, a virtude só pode ser extraída da tentação. Assim sendo, uma mulher não pode ser minimamente exposta à tentação ou ter conhecimento do vício. Pensam que somos – em nossa própria essência – tão viciosas e frágeis mentalmente que não podemos nos deparar com qualquer tipo de tentação; e, embora sejamos puras, dóceis e inocentes conquanto mantidas em ignorância e isolamento, ainda, sendo destituídas de real virtude, ensinar-nos a pecar é fazer-nos de vez pessoas errantes e pecadores e, quanto maior for nosso conhecimento, mais profunda a libertinagem.
E no caso dos homens?
Essas mesmas pessoas pensam que, no sexo masculino, existe uma tendência natural para a bondade, resguardada por uma fortaleza superior que, quanto mais for excitada por julgamentos e perigos, será apenas mais desenvolvida.
A senhorita acha que esse é o único motivo pelo qual tratamos diferentemente nossos filhos e filhas?
Há também a crença de que tanto os homens quanto as mulheres são frágeis e propensos ao erro, e o menor deslize, a menor sombra de poluição, arruinará um, enquanto o caráter do segundo será fortalecido e aperfeiçoado – sua educação apropriadamente encerrada com um conhecimento prático das coisas proibidas.
Hmmm…
Para um rapaz, tal experiência seria como a tempestade para o carvalho. Por mais que uma tempestade possa derrubar suas folhas e estalar seus galhos menores, ela serve para fixar as raízes, além de endurecer e condensar as fibras da árvore.
Qual a solução que a senhora oferece para esse problema?
Eu faria com que ambos se beneficiassem das experiências dos outros, para que soubessem, com antecipação, a recusar o mal e a escolher o bem, sem exigir provas experimentais para ensinar-lhes o mal da transgressão. Eu não colocaria uma menina no mundo, desarmada contra seus rivais, ignorante dos percalços que assolam seu caminho; nem a vigiaria ou guardaria até que, privada de auto-respeito e autoconfiança, ela perderia a vontade de vigiar ou guardar a si mesma. Assim, creio que o ideal seja guiar seus filhos, independentemente do sexo, até que possam prosseguir sozinhos. Cabe a uma mãe remover quantas pedras puder de seu caminho e ensiná-los a evitar o resto – pois, quando tiver feito o máximo em termos de remoção, ainda haverá muitas oportunidades para que exercitem sua rigidez.