“A educação é exibida com a profundidade de um pires nas eleições”, diz Daniel Cara, candidato ao Senado. Por Zambarda

Atualizado em 4 de outubro de 2018 às 11:17
Daniel Cara. Foto: Divulgação/Facebook

Cientista social formado pela FFLCH-USP, Daniel Cara é um dos poucos novos nomes para a pauta da educação no Senado Federal.

Foi um dos fundadores do Fórum Nacional de Juventude, Coordenador Latino-Americano da Cúpula de Juventude e na Cúpula de Juventude da ONU. A partir de 2006, assumiu a coordenação geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Lutou pelas cotas e contra a Escola Sem Partido, organizando grupos e em contato com a deputada Luiza Erundina.

No ano de 2015, ele ganhou o Prêmio Darcy Ribeiro, principal condecoração concedida pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em nome do Congresso Nacional, que contempla pessoas ou entidades cujos trabalhos  merecem destaque especial na defesa e na promoção da educação brasileira.

Segundo a pesquisa Ibope, Daniel Cara tem 3% das intenções de voto. No Datafolha, o educador aparece com 1%.

“Decidi entrar para política porque eu acredito nela e já atuava pela sociedade civil. Nesse momento de crise política econômica e social que o Brasil vive, uma sociedade polarizada e sem visão, eu vejo que a educação pode prestar uma contribuição importante para o debate público”, disse ele nesta entrevista ao DCM.

DCM: Como construir uma candidatura com a Educação como centro?

DC: Colocar a educação como prioridade no processo eleitoral e como um tema central da agenda pública é uma missão difícil porque a educação é abordada como prioridade discursiva por todos os candidatos. Porém, a educação é exibida com a profundidade de um pires.

Como candidato, eu quero qualificar o debate educacional. Infelizmente você não tem tempo para abordar seus diferentes temas e o eleitor não tem tempo de ouvir propostas com a devida importância

DCM: Por que você decidiu ser candidato ao Senado e não para cargo de deputado? Como essa decisão foi articulada dentro do PSOL?

DC: Decidi ser candidato ao Senado Federal porque esse é um espaço que precisa ser ocupado pela educação, ciência e tecnologia. Não queria concorrer com a Luiza Erundina, que contou com meu trabalho na questão de Paulo Freire, nem com Ivan Valente. A decisão foi tomada com apoio de 95% do Diretório Estadual em abril de 2018.

DCM: Você é um dos poucos candidatos ao Senado que fala sobre projetos de tecnologia na educação. Falta discussão disso?

DC: Falta. E digo mais. Acho que falta na verdade apresentação dos outros candidatos ao Senado de programas nessas áreas. Eu estou surpreso nessa eleição pelo debate sobre os senadores ter sido completamente colocado no escanteio e não ser baseado em propostas. Eles ficam em palavras de ordem e isso me preocupa, porque o Senado Federal é a Casa Legislativa que toma as decisões mais profundas no sentido da política brasileira.

O Senado está ligado com as relações internacionais, com a nomeação de cargos públicos. Trata-se de uma Casa importante e os candidatos não tratam qualquer questão com a profundidade necessária e muito menos debatem educação, ciência e tecnologia.

No período das eleições esse problema é menor, por incrível que pareça, porque há também alguns candidatos a deputado e presidente debatendo esses temas. Esses outros candidatos mostram a fragilidade dos nomes para o Senado Federal. Isso acontece pois interessa aos políticos mais tradicionais, que já tiveram mandatos parlamentares, que o Senado se transforme num cemitério de carreiras públicas. As representações de São Paulo refletem isso.

Falo isso porque é a minha primeira candidatura e porque analiso o cenário como cientista político. 

DCM: O Senado é “cemitério de carreiras públicas” como a de José Serra do PSDB?

DC: Sim, mas não só a dele. Só observar a média das idades dos senadores em todos os estados.

DCM: Sua participação foi importante no grupo com Luiza Erundina para manter Paulo Freire como patrono da Educação. Ele é um nome e uma bandeira que precisam ser mais conhecidos pelo povo brasileiro?

DC: Junto com a deputada Luiza Erundina, a maior prefeita da história de São Paulo, e também com Anita Freire, viúva de Paulo Freire, nós coordenamos o Coletivo Paulo Freire por uma educação mais democrática. Foi essa iniciativa que manteve, entre outras, o educador como patrono brasileiro.

Foi uma conquista realizada no Senado Federal.

Paulo Freire infelizmente é um autor desconhecido do público brasileiro. É sim um autor muito citado, mas também muito criticado e pouco lido. Tive a oportunidade de debater com a iniciativa Escola Sem Partido e questionar os presentes que atacavam Freire. Perguntei se eles tinham lido e muitos diziam nunca leriam.

O educador é autor de uma pedagogia crítica uma pedagogia consistente pautada na emancipação por meio da leitura do mundo. Por isso, Paulo Freire criou uma pedagogia viva e horizontal. Educando e o educador são, na verdade, pessoas que ensinam e aprendem em conjunto, respeitando a vivência e a experiência de vida de cada um.

Ele é o autor mais lido da América Latina e o terceiro autor mais citado no mundo segundo o Google Acadêmico. Tive uma vivência muito forte com a obra dele na Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Tive contato com sistema de ensino desenvolvido por Paulo Freire e tive oportunidade de conversar com os gestores do sistema de ensino finlandês

Desde 2008 eles me mostram a força do Freire através de uma pedagogia não tradicionalista.

DCM: Após o incêndio e o descaso com o Museu Nacional no Rio, você pensa em quais tipos de investimento para a Ciência?

DC: O incêndio não aconteceu apenas com Museu Nacional, mas também com o Instituto Butantã da Universidade de São Paulo e do Museu da Língua Portuguesa. Isso também ocorreu nos museus e nas igrejas em Minas Gerais.

Isso mostra descaso e falta de compreensão do papel da ciência no Brasil.Isso só vai mudar com um forte investimento em divulgação científica para demostrar socialmente a importância desse setor. E investir na manutenção dos nossos acervos históricos com raridades, muito dele perdido nessa tragédia no Rio.

DCM: Caso você seja eleito, como conter os desmontes que Temer provocou na Capes e nos programas de pesquisa e mestrado no Brasil?

DC: Os cortes do presidente Temer em relação ao orçamento geral da União são irrisórios. Isso prova que existe um ataque orientado contra a produção científica brasileira. Temer fez um ataque orientado contra a produção científica brasileira.

Foram cortados 300 milhões de reais e isso, vindo da Capes, representa só 0,08% da União. Esse mesmo valor poderia evitar o sangramento na produção científica em corte de bolsas no mestrado doutorado e pós-doutorado. Há estudos que apontam que, se você investir 0,4 por do PIB em ciência e tecnologia, existe um retorno global do PIB de 5% em 10 anos. Isso é necessário para o desenvolvimento de um país que quer participar da nova configuração da economia global.

DCM: Você acha que faltam cientistas políticos e especialistas em educação entre os candidatos de 2018?

DC: Não tenho dúvida que faltam cientistas e especialistas em educação entre os candidatos. Os profissionais dessa área que se destacam são aqueles que obtêm apoios das fundações empresariais que têm um projeto privatista para área de educação.

DCM: Quais reformas você propõe para o salário e as condições de trabalho do professor?

DC: Eu proponho o que já está sendo debatido no Congresso Nacional, que é aprovar o Sistema Nacional de Educação. Isso consta na Lei do Plano Nacional de Educação lei 13.005 de 2014.

A discussão sequer chegou no Senado Federal, mas eu tive oportunidade de colaborar com Glauber Braga, nosso deputado do Rio de Janeiro e relator da matéria.