A elevação do tom é para evitar uma derrota muito desmoralizadora. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 10 de agosto de 2021 às 11:03
Jair Bolsonaro. (crédito: Evaristo Sá/AFP)

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Por Luis Felipe Miguel

Hoje, tudo indica, a Câmara derrota o voto impresso. Um evento com direito a desfile de tanques e tudo.

É fácil rir da palhaçada. Mas o fato de que os militares aceitaram contribuir para a intimidação do parlamento, a serviço de Bolsonaro, é muito grave.

Enquanto os outros poderes preferem fechar os olhos, Bolsonaro continua avançando na direção de um endurecimento do regime.

A opção por fechar os olhos, aliás, é comicamente ilustrada pela declaração de Lira, de que a parada kim-jong-ûnica ocorre no mesmo dia da votação do voto impresso por uma “coincidência trágica”.

É claro que o voto impresso é um pretexto. Há muita coisa importante em discussão no Congresso, sendo aprovada a toque de caixa, sem discussão com a sociedade – e esta questão absolutamente secundária ganhando todo o destaque.

Bolsonaro sabe que vai perder. Mais ainda, ele provavelmente quer perder: para manter o discurso que lhe permite tentar seja melar as eleições do ano que vem, seja contestar uma derrota cada vez mais provável.

A elevação do tom – que inclui também pressão sobre os deputados, até com ameaças pouco veladas, pela tropa de choque bolsonarista nas redes sociais – é para evitar uma derrota muito desmoralizadora. Ela prejudicaria a “narrativa” e, sobretudo, faria com que a insistência na defesa do voto impresso gerasse tensões com o Centrão.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro continua entregando aquilo que desejam seus grandes eleitores – isto é, o grande capital. Está aí a privatização dos Correios, uma tragédia para o país, mas um grande negócio para as empresas privadas que passarão a monopolizar os serviços de entregas.

Com isto, toda a repulsa às atrocidades do desgoverno fica esmaecida. Estupidez e truculência, sim, mas é o preço a pagar pela destruição do Estado brasileiro…

Ao mesmo tempo, avança na Câmara o famigerado “distritão”, que significa a implosão final do sistema de partidos no Brasil e uma garantia de que a qualidade da representação política vai cair ainda mais no ano que vem – por incrível que pareça.

O único ponto que os deputados (em sua maioria) levam em conta é a chance da própria reeleição. Com o distritão, a eleição vira uma competição entre notáveis, nos quais os atuais detentores de mandato – que possuem visibilidade e estrutura – partem com vantagem.

Até o P”C”doB, seguindo o caminho oportunista de tantos anos, apoia o distritão, por julgar que é a melhor aposta que tem para superar a cláusula de barreira. Ou seja: o interesse imediato invalida qualquer preocupação com o aprimoramento do sistema político.

Parece que a última esperança de derrotar o distritão é reintroduzir as coligações nas eleições proporcionais, isto é, reverter a medida mais positiva para fornecer verdade à representação política que foi adotada nos últimos anos.

Seria possível aprimorar as regras, despenalizando os partidos com perfil programático, por meio de mecanismos como federação de partidos ou a proporcionalidade de distribuição de cadeiras a cada legenda dentro das listas coligadas. Mas não há chance disto ser aprovado.

Muito mais do que um mecanismo para promover a soberania popular, a chamada “democracia eleitoral” parece, no Brasil, uma armadilha para evitar a transformação do país.