“Estou arriscando minha vida pela minha população”, diz mulher que ajuda brasileiros com fome na França. Por Willy

Atualizado em 16 de abril de 2020 às 8:21
Jucilene Barboza

Se a fome era uma conhecida de longa data no Brasil, com a pandemia do coronavirus ela persegue os brasileiros também fora do país. Na França, é o caso de centenas, segundo a carioca Jucilene Barboza, 37, relegados pelas autoridades brasileiras.

Presidente da associação Amis du Brésil, sediada em Vitry-sur-seine, região metropolitana de Paris, ela relata espanto, desespero e medo nos esforços para socorrer seus compatriotas. A clandestinidade, afirma ela, soma-se ao desconhecimento da língua, dificultando qualquer acesso às redes de solidariedade na França.

Diante da negligência da Embaixada e Consulado brasileiros em prestar ajuda, coube à sua associação, antes voltada a aulas de dança e francês, distribuir alimentos em plena pandemia. “Acho que estão sabendo pelos meus vídeos”.

Nesta entrevista ao Diário do Centro do Mundo, Jucilene aponta as dificuldades desta operação. “Estou arriscando minha vida pela minha população”.

DCM: Você tem buscado a Embaixada brasileira nas últimas semanas por ajuda a brasileiros na França. Qual tem sido a resposta?

Jucilene Barboza: Está sendo muito difícil. Temos uma equipe muito sólida de mulheres que estão ajudando. Mas a cada dia que passa o número de pessoas (precisando de ajuda) está crescendo.

Eu acho que já servi mais de mil famílias, segundo as minhas contas. Agora estamos fazendo um cadastro na associação para eu poder ter uma base.

Estou fazendo alguns vídeos, provando o que estamos falando. Se eles quiserem prova, eu dou uma hora por dia para provar tudo que estou falando.

Provar o quê?

Provar as dificuldades, a crise da fome. Eles nem sabiam o que eu ia pedir e nem responderam. Eu não entendo porquê.

“Eles” são a embaixada?

A Embaixada, o Consulado. Isso me machuca muito. Acho que estão sabendo pelos meus vídeos.

Eu também tenho um conhecido que me disse que ligaram e se apresentaram para perguntar se a minha associação era verdadeira e se o povo de Ivry e Vitry estavam realmente passando dificuldades.

Eu não estou lidando com a população brasileira só de Vitry e Ivry. Tem gente de Melun. Tem gente do 78 (departamento na região metropolitana de Paris). Tem pessoas de Poutou. De todos os pontos.

Por que estou fazendo isso? Para limitar o sofrimento da nossa população. No começo, eu saía com o atestado que o presidente determinou, para não ir muito longe de casa. Mas eu queria um passe livre porque eu estou indo buscar os alimentos e dá-los para as pessoas.

Tem famílias com mães sozinhas, que não podem sair de casa, porque estão com muito medo da pandemia.

Qual é o perfil das pessoas que têm pedido ajuda?

São pessoas que não têm documento, que não têm “titre de séjour” (visto). Eles não têm dinheiro que cai na conta. Mesmo as pessoas que têm documento estão me pedindo ajuda.

Quanto às pessoas irregulares aqui, eu não entendi a organização do nosso consulado e da nossa embaixada para ajudar essa demanda. Eles colocaram em suas páginas que estão ajudando com a “repatriação”. Tem muitos que me disseram “Jucilene, sinceramente, eu quero ir embora”, mas eles não estão respondendo direito.

Eu não sei até quando eu vou poder ajudar os brasileiros em Paris. Eu estou muito preocupada. Eu estou fazendo uma apelo a todo mundo que pode passar minha informação porque eu não vou deixar minha população ficar assim. Eu estou me sentindo responsável, porque de tanta demanda…

Eu não sei o que as pessoas estão pensando que eu sou. Eles estão me vendo como uma referência porque não estão tendo apoio da nossa embaixada e nem do nosso consulado. Mas para mim está sendo muito difícil suportar isso porque eu também tenho a minha família.

Eu sou mãe de quatro filhos, eu tenho problemas de saúde. Estou arriscando minha vida pela minha população. Nosso consulado e nossa embaixada não estão tendo respeito nenhum por nós.

Quem tem contribuído com alimentos e respondido aos apelos que você tem feito?

São muitas pessoas que eu conheço, que têm restaurante, empresários… Eles não sabiam que tinha tanta gente passando dificuldade assim, que tinha tantos brasileiros em situação irregular. Eu já tinha noção porque eu tenho a associação há muito tempo, mas não assim. Eu tinha noção mais ou menos.

É nas redes sociais que as pessoas estão reagindo, me ligando, fazendo doações e eu vou buscar mas está muito difícil para mim.

Você gostaria que o Estado brasileiro tomasse essa responsabilidade no seu lugar?

Exatamente. Pelo menos que eles viessem com a gente, botasse carro à nossa disposição, para a gente poder se deslocar. Eles poderiam ter dado uma autorização para nós. Eles poderiam estar dando contatos para eu ligar.

As pessoas estão me ligando e perguntando do que estou precisando mas está sendo muito difícil gerir essa demanda. Só na cidade de Gagny, minha cunhada tinha mais de 69 crianças na semana passada, fora essa semana.

Quanto ao estado francês, esses brasileiros estão e ficarão fora de qualquer ajuda do governo?

Não. O problema não é que o estado francês não ajuda. Tem as associações. Foi a primeira informação que eu dei às pessoas aqui: tem o Réseau du Coeur, o Secours Catholique, o Secours Populaire, a Croix Rouge. Eu expliquei os organismos que podem ajudar. Mas o grande problema é que são poucos os brasileiros que realmente francês, para pedir socorro.

Quando a gente liga para tal número, temos que explicar a situação e tem gente que não consegue. Eu já tinha falado: gente, se vocês não conseguirem falar, eu posso traduzir para vocês, mas é muita gente.

Como minha associação é em Vitry, eu liguei para a prefeitura, no desespero. Eles falaram: “Jucilene, se você não conseguir mais nenhum alimento, eu assumo a população brasileira que está em Vitry, mas eu tenho que ter em mãos o cadastro de todas as pessoas”. Mas eu não sei quantas cestas básicas eles vão precisar.

Como resolver esse problema?

A solução para esse problema é mais união. Quer dizer: eles (embaixada e consulado brasileiros na França) estão sabendo o que eu estou fazendo. Eles já podiam ter entrado em contato comigo, poderiam estar me orientando sobre como conseguir alimentos.

O que eu gostaria do nosso consulado? Como a minha associação é cultural, eu não posso ir aos supermercados pedir os alimentos. Aqui, os supermercados, quando os produtos estão quase na data de validade, eles doam para as associações. Mas as associações têm que dar um papel para a redução de impostos. E a minha associação, como é uma associação cultural, a gente não tem essa permissão.

Então eles (embaixada e consulado brasileiros) poderiam pedir essa permissão para mim. Poderiam ter mais rapidez. Eu não entendo porque não entram em contato comigo. Por que não me ajudam a auxiliar mais a nossa população?

P.S.: Jucilene Barboza procurou a reportagem do DCM, depois da publicação desta entrevista, para relatar que a Embaixada do Brasil entrou em contato com ela e que estão em negociação para futuras ações conjuntas.