‘A epidemia deve acontecer, mas será moderada’: infectologista Marcos Boulos fala ao DCM sobre coronavírus. Por Pedro Pligher

Atualizado em 7 de março de 2020 às 12:04
09/01/2018- Brasília – O Marcos Boulos, da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde de SP anuncia o planejamento para enfrentamento a Febre Amarela
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O covid-19, ou novo coronavírus, já soma mais de 3500 mortes no mundo e passa os 100 mil infectados. O primeiro caso no Brasil foi confirmado no dia 25 de fevereiro. Desde então, subiram para treze na última sexta (5). Números que, em pouco tempo, ficarão obsoletos após a publicação dessa matéria.

São Paulo, até então o estado mais atingido, com 4 casos — e o primeiro transmitido dentro do país –, criou um centro de contingência logo que o vírus apareceu. Formado por uma equipe de experts, o grupo monitora e coordena ações contra a propagação do covid-19.

Um dos médicos integrantes do grupo é o infectologista Marcos Boulos. Ex-diretor da Faculdade de Medicina da USP, pai do líder político Guilherme Boulos, é um especialista em doenças tropicais, como a febre amarela e a malária.

Em uma reportagem da Piauí, Marcos afirmou que “quem trabalha com saúde pública não tem como não ser socialista ou não se preocupar com justiça social”, o que ele reiterou durante essa entrevista ao DCM, que ele realizou enquanto pegava um ônibus, em meio a tanto trabalho.

 Como está sendo o trabalho do Centro de Contingência do Coronavírus de SP?

Nos reunimos semanalmente, temos um grupo no Whatsapp aonde atualizamos o processo. O centro está discutindo as condutas, a melhor maneira de divulgar o que tá acontecendo e fundamentalmente propor objetos de pesquisa que possam ajudar na solução do problema, além de buscar protocolos clínicos no atendimento dos pacientes quando eles vierem para os hospitais.

 Como você avalia a situação do coronavírus no Brasil no momento:

Ainda não temos uma epidemia aqui, o que temos são pessoas que viajaram ao exterior, ou parentes daqueles que estão infectados, contaminações internas. Esses ainda não mostram que estamos numa epidemia. Mas ela vai acontecer, sim. Com o surto na Itália, por exemplo, com a relação próxima que nós temos, muitos vôos chegando de lá diariamente, não há dúvida que esse número de casos deve aumentar e que a transmissão interna deve ocorrer.Mas não acho, no momento, que será nas proporções do que ocorreu na Itália ou na China, porque lá eles estavam ainda em pleno inverno.

A estação vai colaborar então?

Sim, a não ser que se alastre até o inverno. Mas provavelmente teremos uma transmissão moderada de casos aqui.

Como você avalia a atuação da mídia no caso?

Eu diria que temos a epidemia de mídia. Nós já estamos há um mês com a epidemia de mídia aqui, porque os casos ainda não haviam ocorrido mas estávamos tratando como epidemia há muito tempo. A corrida, a população toda assustada…. Nós importamos o problema da China naquele momento. Na fase inicial, foi exagerado. Agora tá aqui mesmo, e a notícia está sendo dada como tem que ser.

Mas no início preocupava muito a maneira como estava sendo divulgada e como se fosse um problema que estava ocorrendo, ao mesmo tempo que muitos problemas que de estavam ocorrendo aqui, que ninguém estava noticiando. Como no caso do sarampo, da dengue, e se prenderam numa doença que não existia aqui.

Qual a sua avaliação perante a atuação do Ministério da Saúde?

Ele está até muito rápido. Inclusive algumas comunicações que eles emitiram, a gente tem um pouco de dúvida se deveria acontecer assim. Como, por exemplo, no caso da menina que estava infectada mas não é sintomática, eles consideraram um caso para divulgação.

Nós não consideremos caso quando não tem sintomas, porque o número de assintomáticos em todas as doenças é enorme. Se formos considerar os assintomáticos como doentes, nós perdemos a mão. Mas eles preferiram nesse momento inicial pra mostrar todos os casos sobre o qual atua o vírus, para apresentar que está o sistema está sensível. Concordo que está. Mas de fato eles estão trabalhando muito bem, e até excessivamente.

Recentemente, foi noticiado que pesquisadores da USP conseguiram recriar o vírus em laboratório. 

O trabalho foi comandado pela USP, mas foi feito do Adolfo Luz. Isso mostra que a ciência não pode ser abandonada, como atualmente tem sido ameaçada. É importante investirmos, pois esses casos ajudam muito, não só no controle da doença, como na autoestima que estão trabalhando exauridas pelo trabalho extensivo, isso faz com eles sejam valorizados e que as pessoas se sintam valorizadas também. É fundamental fazer pesquisa nesse estilo, mostrando que o Brasil pode se destacar na área.

Você certa vez pontuou que trabalhando com saúde pública, você teria uma posição socialista.

Nós vivemos no SUS. O Sistema Único de Saúde. Trabalhamos para todas as pessoas de maneira de igual. Quem trabalha na saúde tem que trabalhar com a população de modo geral. Tem que tratar igualzinho a pessoa que tem dinheiro e quem não tem dinheiro nenhum. O acesso à saúde é para todos. Não tem jeito de não se trabalhar com justiça social.