A estranha lógica que governa a escolha do Nobel

Atualizado em 21 de novembro de 2012 às 20:34

O romancista chinês Mo Yan foi o escolhido para agradar ou para atacar a China?

Mo Yan

Todos os que acompanham o Diário sabem quanto admiro o modelo escandinavo. Gostaria que o Brasil se encaminhasse para alguma coisa parecida. É uma sociedade extraordinariamente avançada e próspera. Nela, o Estado não é babá das grandes corporações e dos milionários.

Os ricos pagam impostos, e isso por si só já é uma enorme diferença num mundo abarrotado de paraísos fiscais. O ideal de Adam Smith – um mercado livre amparado em fortes bases éticas e morais destinadas a proteger os desfavorecidos – como que se materializou lá.

Mas há uma coisa específica que destoa no quase nirvana nórdico: a Academia Sueca que dá o Nobel. Ela é uma pataquada.

Voltemos um pouco.

Ted Roosevelt, presidente americano do começo do século 20, achava abertamente que guerra era uma coisa importante para manter a virilidade de um país – e, claro, conquistar mercados e garantir pelas armas recursos naturais vitais e escassos. Sob ele, os americanos, como agora, guerrearam ­freneticamente. Pois Roosevelt ganhou o Nobel da Paz, que Ghandi jamais conquistou.

Barack Obama, o homem dos drones, o homem das listas secretas de execução pela CIA sem julgamento, Barack Obama, eu dizia, também ganhou o Nobel da Paz. É uma ignomínia.

Em outra esfera, a da literatura. Graham Greene, o estupendo escritor inglês, jamais foi premiado. Leia O Cônsul Honorário, ou Os Comediantes, ou O Poder e a Glória, e você vai entender o tamanho do absurdo.

Greene foi preterido por dois motivos. Um, de caráter ideológico, foi seu antiamericanismo, um pecado mortal para a Academia. O outro, pessoal, é que ele teve um caso com a mulher de um jurado – que jamais o perdoou.

Agora, o escolhido foi o chinês Mo Yan, 57 anos, de quem as editoras brasileiras não publicaram nenhum livro. Isso mesmo se tratando de um autor mundialmente conhecido, publicado — e controverso. Não é fácil a vida de um leitor brasileiro. O único romance dele em português que você encontra – Peitos Grandes e Ancas Largas – foi lançado por uma editora de Portugal.

É o primeiro escritor chinês premiado, se você considerar que anteriormente o Nobel da Literatura foi dado a um dissidente que reivindicou a revogação de sua cidadania. (Para quem gosta de curiosidade, Mo Yan, um pseudônimo, significa ‘Não Falo’.)

Ser dissidente chinês costuma ser uma poderosa credencial. Recentemente, o Nobel da Paz foi concedido a um dissidente sem que se soubesse exatamente sua contribuição pela harmonia mundial.

Mo é um romancista prolixo – calcula-se que tenha criado meio milhão de personagens em sua copiosa obra – e nebuloso. O objetivo ao contemplá-lo foi bajular a China – como afirmou a jornalista e amiga Fatima Antunes, especialista em Ásia com seus muitos anos de Japão – ou, pelo contrário, reforçar o olhar crítico do ocidente sobre os chineses.

É difícil decifrar. Considere Seios Grandes e Quadris Largos, ambientado no período de brutal ocupação da China pelo Japão, nos anos 1930. O romance provocou indignação em muita gente na China – e não só lá — pela maneira como Mo descreveu dias terríveis na história chinesa.

Reproduzo aqui um depoimento expressivo, que captei no GoodReads, um site em que leitores compartilham suas opiniões. Jenine, uma leitora, deu uma só estrela ao romance em cinco possíveis.

Palavras dela, que traduzo do inglês: “Depois de 230 páginas esquisitas, desisti do livro numa boa. (…) Como um livro faz os invasores japoneses parecerem mais nobres que as pessoas atacadas ferozmente por eles? Parece que o autor do livro quer provar que a China estaria melhor se permanecesse para sempre sob o jugo do Japão.”

Quanto esse tipo de coisa pode pesar na escolha do Nobel? A Academia tem um histórico notável como um instrumento de propaganda ideológica mais ou menos nos moldes de Hollywood. Nobel e Oscar parecem irmãos gêmeos.

Admiro intensamente a Escandinávia. Mas a Academia é uma palhaçada.