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A estratégia de Fachin para ganhar tempo e dar sobrevida à Lava Jato. Por Joaquim de Carvalho

Edson Fachin. Foto: Evaristo Sa – 14.abr.2016/AFP

O longo voto de Edson Fachin no julgamento dos abusos da Lava Jato poderia parecer o procedimento normal de um magistrado preocupado em fundamentar suas decisões — ele é contra anular processos que não deram ao réu chance de ampla defesa nas alegações finais.

Só que não.

Sob a presidência de Luiz Fux, o STF poderia ter encerrado o julgamento ontem mesmo, se o voto de Fachin não tivesse sido tão extenso, e a corte não tivesse interrompido seus trabalhos por quase uma hora para atender a advogados que supostamente queriam falar com ministros.

O experiente Marco Aurélio Mello deve ter percebido a estratégia de ganhar tempo quando sugeriu que Fachin lesse seu voto até o final, sem a estranha suspensão dos trabalhos. Quando a sessão voltou, por volta das 18 horas, Fachin leu o voto durante cerca de uma hora, e Fux decidiu anunciar que o julgamento seria retomado nesta quinta-feira.

Se a intenção era não concluir o julgamento ontem mesmo, por que interromper a sessão?

“Eles queria ganhar tempo, e conseguir mais uma noite de Jornal Nacional e Globonews, além das manchetes dos jornais do dia seguinte”, disse o criminalista Marco Aurélio Carvalho, em entrevista ao DCM TV.

“Fachin já tem experiência e está jogando com a possibilidade de pressão da suposta opinião pública para reverter a tendência do STF de colocar limites na Lava Jato”, acrescentou.

Ontem, a tendência no STF é que a decisão abrisse caminho para anular os processos que não seguiram a lógica do direito penal, isto é, o acusado tem o direito de se defender depois de conhecer todas as provas contrárias, argumentos de acusação e fatos que lhe são atribuídos.

Hoje, pode não ser assim, embora haja no STF disposição para enfrentar as arbitrariedades da Lava Jato e acabar com o que o ministro Gilmar Mendes já chamou de Direito Penal de Curitiba.

Há um ano e cinco meses, no julgamento do HC que impediria a prisão de Lula, a estratégia de não decidir para possibilitar maior pressão sobre ministros também aconteceu.

O plenário, coerente com a posição doutrinária dos ministros, se inclinava para conceder a medida a Lula, por um placar de 6 a 5. Mas, por acordo entre seus integrantes, decidiu-se que o julgamento só ocorreria dez dias depois, na sequência ao feriado de Páscoa.

Lula recebeu um salvo conduto, para impedir que Moro o prendesse até que o HC fosse julgado.

Naqueles dez dias, a pressão foi intensa, sobretudo em cima de Rosa Weber, que, em tese, já tinha votado contra a prisão antes de esgotados todos os recursos.

A pressão se deu através de comentários da bancada da Globonews, que os advogados chamam de Terceira Turma do STF, de artigos publicados nos jornais, principalmente nos veículos do grupo Globo, onde foi publicado o infame “Em nome da Rosa”, de Joaquim Falcão, antiga pena à disposição da família Marinho.

Por fim, na véspera do julgamento, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, ameaçou a corte através do Twitter, ao dizer que estava de olho na sessão do STF.

A estratégia se repete agora.

Os ministros têm a oportunidade de demonstrar que, diferentemente de um ano e cinco meses atrás, já não estão mais tão acovardados e votar livremente, sem prestar atenção no que está fora dos autos.

Quanto a Fachin, não se deve esperar independência. Como disse Deltan Dallagnol, ele é deles.

 

 

 

Joaquim de Carvalho

Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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