A expansão da podridão cerebral. Por Moisés Mendes

Atualizado em 16 de novembro de 2025 às 23:10
Imagem ilustrativa. Foto: Divulgação

Todos os dias há uma reportagem em algum jornal sobre o rebaixamento da qualidade da informação que circula na internet. As mais recentes informam que o fenômeno do momento é a conexão das redes sociais à Inteligência Artificial.

A podridão cerebral (brain rot), como é chamado o contágio mental por informações irrelevantes ou sem sentido misturadas a conteúdos mentirosos, tem o efeito de matéria-prima fornecida pelas redes, que se misturam às respostas de quinta série da Inteligência Artificial e nos confundem. É um leva e traz de imundícies.

O dano mais imediato, identificado há anos, é o rebaixamento cognitivo. Sabe-se há muito tempo que Informações precárias, rasas e inconsistentes estão sendo reprocessadas pelas sínteses da IA.

Os robôs consultados na internet respondem hoje com informações que se confundem com a gritaria das redes sociais. Misturam-se besteiras ao acervo de dados de bibliotecas, artigos científicos e publicações jornalísticas, entre outras fontes.

A Inteligência Artificial, que deveria nos fornecer informações lastreadas em alguma sabedoria, também é abastecida e dissemina superficialidades e bobagens. A IA oferece respostas quase idiotas, em alguns casos, porque armazenou informações idiotas.

O resumo é que a IA está fingindo ser burra, amigável e afetiva, para aumentar a fidelização do público que exige respostas rápidas, para ‘facilitar’ a compreensão de determinados assuntos e corresponder às expectativas de quem deseja saber pouco, por achar que aquilo basta.

Mas é de se perguntar se apenas as redes sociais e suas futilidades, ódios e informações sem sentido contribuem para o aumento da podridão cerebral e da desinformação. Não. Os chamados jornalões brasileiros – Folha, Estadão e Globo – vêm abastecendo a IA com coisas podres.

Sempre foi assim? Sim, mas agora é pior, porque antes não havia IA. Agora, a Inteligência compila conteúdos para resumir respostas e busca essas informações em toda parte, principalmente nos jornais. A IA está juntando tudo que é podre produzido também pela grande imprensa.

Um exemplo recente. Se alguém for pesquisar sobre a situação de Bolsonaro, investigado, acusado, denunciado, julgado e condenado a 27 anos de cadeia, a IA dirá que ele está preso em casa. É o óbvio. E pode acrescentar que o chefe da organização criminosa espera a decisão do Supremo sobre o local em que cumprirá a pena.

Mas todos os jornais brasileiros expuseram em suas capas, no dia em que esse artigo foi escrito (13 de novembro) que Bolsonaro pode enfrentar Lula em 2016. Segundo uma pesquisa Genial/Quaest, Bolsonaro pode ser candidato.

O golpista condenado a 27 anos de cadeia e à espera da prisão na Papuda ou outro presídio é dado como candidato pela Quaest e pelos jornalões. Por que é candidato? Porque os jornalões vivem também da venda de conteúdo podre.

Sobre a mesma pesquisa, o Estadão tem na capa outra informação que em algum momento irá parar nos arquivos da IA. O jornal informa o seguinte:

“Genial/Quaest: Brasileiros querem que eleito em 2026 não seja ligado nem a Lula, nem a Bolsonaro”.

Lula e Bolsonaro. Foto: Divulgação

Imagina-se, pela manchete, que a maioria dos brasileiros ouvidos pela pesquisa pense assim. Mas o texto da notícia é este:

“Para 24% dos brasileiros, o melhor resultado para a eleição presidencial de 2026 é a vitória de um nome que não seja ligado nem presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nem ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)”.

A opinião de um quarto da população se transforma na opinião do brasileiro que não quer Bolsonaro nem Lula. São apenas dois exemplos. Há muito mais, como a reprodução do discurso dos planejadores e executores da chacina no Rio.

Não é falha nem erro ou descuido, é uma informação mentirosa deliberada. Sabemos todos que não há novidade alguma nessa estratégia. Sim, não há. Mas agora é mais grave.

A IA fazia condensações para tirar complexidade e nuances, para compactar e facilitar a vida dos apressados. Agora, sabe que engana, idiotiza e sequela ainda mais cérebros já danificados, com a ajuda dos jornalões.

A Inteligência Artificial, que se abastece cada vez mais do que é mais fácil e fútil, virou uma vendedora de informações ultraprocessadas, que saem de uma origem às vezes confiável, passam por outras mãos nem tanto e vão parar nas redes. Todos se confundem, como se fossem das mesmas turmas.

Os jornalões, que tanto alardeiam sua preocupação com a confiabilidade, não são mais apenas apoiadores de golpe, como fizeram contra Dilma, mas disseminadores de informações políticas tortas e também mentirosas que vão parar na IA.

Não é improvável que em pouco tempo, pela perda de relevância dos grandes jornais, o

conteúdo produzido pelas organizações de mídia se confunda com as besteiras propagadas pelas redes sociais.

E aí teremos não a Burrice Artificial, mas a real e concreta imbecilidade saída das fábricas de podridões das redes e da grande imprensa. Bobagens e manipulações serão misturadas, com a cumplicidade de muitos dos que deveriam combatê-las.

(Mesmo que seja óbvio, esclareço que esse artigo não trata da Inteligência Artificial aplicada à ciência e em especial à área da saúde. É outro departamento. O tema aqui é o uso cotidiano da ferramenta para acesso a conteúdos básicos que circulam na internet.)

Originalmente publicado no Extra Classe
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/