A extrema direita só prospera no Brasil. Por Moisés Mendes

Atualizado em 19 de outubro de 2020 às 19:51
Evo Morales e Luis Arce

A extrema direita com suporte massivo da classe média e uma estrutura ‘institucional’ de peso, com lastro religioso e militar, só existe no Brasil. Bolsonaro, seus garotos, suas milícias e seus generais são um fenômeno verde-amarelo, um caso único na América do Sul.

O avanço do fascismo não chegou a produzir outras figuras do porte de Bolsonaro. A Bolívia que elegeu Luis Arce e derrotou o golpe apresenta mais uma prova de que o espaço de atuação e de convencimento da extrema direita tem limites.

O candidato Luis Fernando Camacho, da Unidade Cívica Solidária (UCS), o Bolsonaro deles, com diferenças de detalhes não muito relevantes, pode ter ficado com apenas 14% dos votos, pelas projeções feitas até agora.

Camacho é tudo o que Bolsonaro pensa ser: rico, fazendeiro, empresário e representante legítimo dos latifundiários e milionários. Foi um dos líderes do golpe que derrubou Morales. Fez um fiasco na eleição, sempre agarrado a uma Bíblia.

Na Argentina, nas eleições do ano passado, dois representantes da extrema direita também pagaram um mico dos grandes.

O major Gómez Centurión, do Partido Conservador Popular (com 1,7% dos votos), e o economista José Luis Espert, do Unite (com 1,7%), foram o vexame da eleição vencida por Alberto Fernández.

O que acontece agora na Argentina é a bolsonarização de Mauricio Macri e o crescimento da extrema direita ‘alternativa’ à margem dos partidos, usada para ataques nas redes sociais e como massa de manobra do macrismo nos atos de rua que ensaiam uma tentativa de golpe.

No Chile, a cara do fascismo organizado é a do advogado José Antonio Kast, outro que foi mal na eleição de 2017, quando Sebastián Piñera retornou ao governo. Como candidato avulso, Kast teve apenas 7,9% dos votos.

Kast é um saudosista da ditadura, adorador de torturadores e defensor da anistia para criminosos pinochetistas condenados, se esses tiverem alguma doença associada à velhice. Um torturador com reumatismo, por exemplo, deveria ser indultado.

O caso mais interessante hoje talvez seja o do Uruguai, onde o general e senador Guido Manini Rios concorreu no ano passado à presidência, pelo Cabildo Abierto, e teve 11% dos votos. Ele é a extrema direita uruguaia.

Manini Rios, ex-chefe do Exército do último governo da Frente Ampla, enfrenta uma situação que seria inimaginável no Brasil: o Ministério Público tentou processá-lo por acobertar da Justiça a confissão de assassinato de um criminoso da ditadura.

Há três semanas, com os votos da maioria de direita, o Senado rejeitou o pedido do MP para que o general fosse liberado, sem proteções do foro privilegiado, e ouvido em inquérito sobre o caso.

Mas Manini Rios continua nas manchetes, com ameaças de processo contra o promotor Rodrigo Morosoli, que tentou enquadrá-lo.

Há no Uruguai o ensaio do retorno de entidades extremistas, como a JUP, da juventude estudantil pró-militares, que atuou durante a ditadura, nos anos 70 e 80. Mas o próprio Manini Rios não quer vincular seu nome ao grupo.

Não há na Bolívia, no Chile, na Argentina e no Uruguai, para citar apenas esses (e sem precisar fazer referência ao bufão venezuelano Juan Guaidó) nenhum líder de extrema de direita com chances de chegar ao poder.

Não há nada parecido com a expressão política do bolsonarismo, nem no Equador, na Colômbia ou no Paraguai, por mais extremado que seja o populismo de direita. Há assemelhados, mas nunca iguais.

O que essas constatações revelam é que nós, que tivemos gerações e gerações rindo dos países vizinhos – como se eles fossem os atrasados e ‘inferiores’ –, somos a verdadeira ralé política da América Latina.

Somos o único país em que medos, mentiras, ostentação de ignorância e os ressentimentos da classe média levaram ao poder uma família e seus generais amigos.

Bolsonaro é a nossa jabuticaba bichada. Nenhum outro país tem um Bolsonaro, por mais que se esforce. Aqui, pelo voto, o fascismo deu certo.