A falha do TSE. Por Nahema Falleiros e André Ripoll

Atualizado em 23 de outubro de 2018 às 10:35

POR NAHEMA FALLEIROS, doutoranda em Ciência da Informação IBICT/UFRJ e ANDRÉ RIPOLL doutorando em Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ

Enquanto o TSE espera por um milagre, seremos todos afogados na enxurrada de informações e contrainformações eleitorais no WhatsApp. Faltando uma semana para o fim das eleições de 2018, Rosa Weber afirmou não ter havido, até aqui, falha alguma no combate às fake news por parte do tribunal. Será?

Em nome da liberdade de expressão o Conselho Nacional de Direitos Humanos recomendou ao tribunal, em junho deste ano, não tratar notícias falsas como caso de polícia. Certo. Mas a recomendação foi suficiente para que seu Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições simplesmente suspendesse suas reuniões. Com isso o TSE deixou de pensar em quaisquer novas estratégias de combate a irregularidades eleitorais relacionadas à Internet, não apenas aquelas envolvendo fake news.

Reportagem da Folha na quinta-feira (18) mostrou que empresas contrataram, de forma ilegal, serviços de disparo de mensagens instantâneas para direcionar propaganda automatizada anti-PT no WhatsApp. O problema desta prática vai além do financiamento irregular e do conteúdo das mensagens. Notícias falsas não são novidade na história das comunicações e, como dito pela presidente do TSE, sempre houve excessos no embate político.

Quando instituições democráticas estão funcionando normalmente, esses excessos são corrigidos pela possibilidade do contraditório e da responsabilização na esfera pública. Esse é um dos fundamentos da democracia, indissociável do direito à liberdade de expressão. É também o que tem regido a liberdade de imprensa.

A ministra chamou a atenção para a velocidade e a descentralização do livre fluxo informacional, dois aspectos que dificultariam o enfrentamento das irregularidades eleitorais na Internet. Mas a novidade é que o tipo de comunicação feita por WhatsApp não constitui uma esfera pública digital. O aplicativo está longe de ser a praça pública do século XXI imaginada pelos entusiastas da Web 2.0.

A confusão sobre as TIC (tecnologias da informação e comunicação) parece ser geral no tribunal. Em uma decisão de maio desse ano, o ministro do TSE, Carlos Horbach, chegou a afirmar que a Internet é um espaço democrático por excelência por permitir o contraditório. A confusão está em tomar a parte pelo todo da tecnologia. Há um conjunto muito diverso de plataformas na Internet.

O TSE está olhando para o WhatsApp como quem olha para o Facebook. Embora sejam oferecidos pela mesma empresa, os dois serviços têm diferenças de uso. Por mais questionável que seja, ainda há no Facebook a possibilidade mínima do contraditório no espaço da plataforma reservado para comentários. Algo que não acontece no WhatsApp, de comunicação privada com criptografia ponta-a-ponta.

Hoje a principal forma de acesso à Internet é por telefonia móvel. Com práticas de zero rating das empresas de telecom, a maioria da população brasileira acessa a Internet via WhatsApp. Checar informações custa caro a esses brasileiros. Sem romper a barreira do plano pago, o combate às fake news dificilmente será eficaz.

No WhatsApp as ligações e mensagens são diretas e os grupos restritos, gerando uma sensação de pessoalidade e confiança próxima à do telefonema. Não é por acaso que o marketing digital viu nesse aplicativo um valioso canal para propaganda personalizada, dirigida automaticamente.

Nesse sentido, se o serviço se aproxima mais da comunicação por telefone do que por Facebook, as práticas de disparo massivo nessa plataforma se aproximam do telemarketing.

Lembremos que em 2014 o então PTdoB, hoje Avante, questionou a lei que proíbe o telemarketing eleitoral, afirmando que a prática estaria resguardada pelo direito à liberdade de expressão e ao acesso à informação. O partido justificou seu questionamento alegando censura. Em maio desse ano, o STF manteve a proibição. No entendimento do relator Edson Fachin não se trata de censura, posto que não há vedação a conteúdo, mas sim proteção da esfera privada e da intimidade.

Assim como as ligações em massa do telemarketing, a prática de disparos massivos é abusiva e ameaça a liberdade de pensar e agir na esfera da intimidade. No caso do WhatsApp, há mais um agravante. O uso de robôs é capaz de coletar automaticamente dados pessoais no fluxo das informações trocadas.

O direito à privacidade e à liberdade de expressão devem caminhar juntos nas democracias modernas. Não há democracia saudável sem a garantia simultânea da privacidade e da esfera pública.