A festa pobre da necrofilia no show em que Cazuza ressuscitou num holograma

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 15:57
Sem descanso
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Cazuza ressuscitou através de um holograma num show em São Paulo. Foi um evento financiado pela GVT (Global Village Telecom), com transmissão ao vivo pela Internet. Gratuito, levou em torno de 10 mil pessoas ao Parque da Juventude.

Depois de uma palavra do patrocinador e de um vídeo da mãe do cantor, Lucinha Araújo, a banda executou um pot-pourri instrumental brega dos grandes hits. Gal Costa foi a atração seguinte. Havia ali alguns músicos que conviveram com Cazuza, como George Israel, Leoni e o indefectível Paulo Ricardo. Do Barão Vermelho, o baterista Gutto Goffi. Foi como se vários Ringos não largassem o microfone.

O que as pessoas queriam mesmo era ver o morto. Era ver, por um milagre tecnológico, a volta do messias. Cazuza, ele mesmo, ali na frente. Até lá, o público foi obrigado a ouvir os amigos dele cantarem.

Essa técnica foi primeiro utilizada com o rapper Tupac Shakur no ano passado. Depois do sucesso, os herdeiros de artistas como Jimi Hendrix, Jim Morrison, Otis Redding, Janis Joplin e Peter Tosh se animaram. Na TV americana, Elvis apareceu ao lado da insuportável Celine Dion. Por aqui, Renato Russo já retornou num tributo.

Isso tem um nome: necrofilia. Os organizadores montaram um site com alguns vídeos promocionais. Num deles, uma fã diziam que aquele tipo de coisa era uma oportunidade de ver em ação um ídolo que  já morreu, deixou de existir, deu o último suspiro, bateu as botas, esticou as canelas. Bem, como diria o falecido Agenor, meus heróis morreram — mas estão aí seus discos, livros etc. São imortais. Trazê-los do além para quê? Para a GVT?

“Cazuza vai pintar essa noite, ao vivo!”, gritava Paulo Ricardo. O fantasma surgiu depois de mais de uma hora de apresentação, cantando “Exagerado”. O público presente ao culto religioso vibrou.

Eu vi dois ou três shows do Barão nos anos 80. Um deles na extinta danceteria (danceteria!) Radar Tantã. Alto, atlético, dominando a cena. E também bêbado, errando a letra, tropeçando no fio do microfone, falando bobagem. Foi sensacional.

Ou seja, nada a ver com o sujeito recriado numa festa de firma de uma operadora de banda larga. Aquele holograma no Parque da Juventude está morto, deixou de existir, bateu as botas, esticou as canelas, está a sete palmos da terra. Que não descanse em paz.