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A Fifa pode fazer pouco contra o racismo no futebol — mas gente como Daniel Alves pode muito

 

Um amigo me conta que, no começo dos anos 60, Pelé esteve na cidade de sua mãe, no interior do estado de São Paulo. Ele já tinha ganhado a primeira Copa do Mundo e era saudado como um herói nacional.

Pelé estava visitando um amigo. Foi recebido como campeão. E então o levaram à piscina pública, que era uma das grandes atrações locais. Pelé entrou na água. Imediatamente, o salva-vidas mandou que ele se retirasse.

O Crioulo podia passear, conversar com as pessoas, tirar foto e dar autógrafo. Nadar na mesma piscina era demais. Pelé saiu sem falar nada.

Cinquenta anos depois, Pelé continua passando em branco sobre o racismo. Não reclama, muda de assunto, sempre dá um jeito de minimizar o problema.

Não é só ele que é assim, claro. Ele é apenas um símbolo de um jeito de pensar. Por muito tempo se acreditou no mito da democracia racial no Brasil. Hoje vai ficando cada vez mais evidente que somos apenas mais acomodados. Ou éramos.

Daniel Alves dá esperança de novidade, de menos hipocrisia e servilismo. O lateral do Barcelona estava para bater um escanteio quando um canalha na torcida do Villareal atirou-lhe uma banana no gramado.

Não é a primeira vez que isso acontece. Geralmente os torcedores costumam imitar sons de macaco, também. Mas Daniel brilhou: ao invés de fingir que não viu nada, pegou a banana, descascou-a, engoliu-a e cruzou (na seqüência da jogada, no segundo cruzamento seguido, saiu um gol).

“Estou na Espanha há 11 anos e há 11 anos é dessa maneira. Temos de rir dessa gente atrasada”, disse. Na Copa, a Fifa obrigará os capitães dos times da quartas de final a ler uma declaração de repúdio à discriminação. Não dará em nada.

O que vai mudar alguma coisa, mesmo, serão gestos como o de Dani Alves. De não deixar barato. De quem, ao invés de encarar esse tipo de ofensa como um acontecimento corriqueiro como a chuva — afinal, o que é mais uma banana atirada por um animal? –, tem atitude e presença de espírito. Daniel Alves mitou. E foi mais eficaz do que será qualquer discurso ensaiado por uma entidade corrupta e desacreditada como a Fifa.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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