“A gente deve agradecer a natureza por ter feito Jane Austen feia o suficiente para se dedicar não ao casamento e sim à literatura”

Atualizado em 29 de abril de 2014 às 4:16
Austen
Austen

Cris e Pedro estavam à beira da piscina em Ribs, cada qual com um livro. Pedro relia um romance policial de Agatha Christie, O Caso dos Dez Negrinhos. Agatha Christie sempre fora sua escritora policial predileta. Lera ao longo dos anos muitos anos romancistas policiais supostamente superiores, de PD James a Chandler, de Hammett a Patricia Highsmith. Mas todos lhe pareciam principiantes comparados a Christie na arte de desafiar o leitor a encontrar o assassino.

Regularmente Pedro fazia uma limpeza em sua biblioteca, e dava os romances policiais. Excetuada sua amada coleçao de Agatha Christie. Pedro lhe era imensamente grato por tanto entretenimento proporcionado ao correr dos longos dias. Havia, fora isso, um elo com o pai. Como Graham Greene, o primeiro livro de Agatha Christie que lera lhe fora passado pelo pai.

Cris estava lendo um livro de ensaios de Paul Johnson, uma ode aos inovadores e criadores na arte, de Chaucer a Austen, de Dürer a Shakespeare, de Hugo a Turner. Cris pintava. Tinha uma tela em sua sala, e vendera quadros por uma quantia interessante numa temporada que passara na Europa. Tinha uma reproduçao de um Klimt em sua casa. De Klimt amava tanto quanto a arte o amor dedicado a sua mulher e modelo.

Era jovem, espirituosa, inteligente. Petulante como costumam ser as mulheres bonitas. Pedro a imaginou num repente gravida, embora as mulheres da geraçao Sex And The City parecessem nao apreciar tanto assim a maternidade. Uma criança morena e agitada, como a mae, pensou. Sofia talvez fosse um bom nome.

“Detestei”, disse ela. Tirou os olhos de Natasha do livro e os fixou em Pedro.

“O quê?” Pedro sabia que Cris era temperamental. Amava as coisas com facilidade, mas podia detestar com facilidade ainda maior.

“O que o Paul Johnson escreveu sobre as mulheres. Você gosta dele, não?”

“Adorava os artigos dele na Spectator. Ele fazia o pensamento liberal ficar imensamente charmoso. Como o Buckley nos Estados Unidos. Caras assim fariam bem ao Brasil. Acho legais os perfis demolidores que ele escreveu sobre intelectuais como o Tolstoi.”

“Os perfis neste livro que estou lendo sao em geral positivos. Mas o que ele fala das mulheres escritoras como a Jane Austen e a George Sand. Vontade de matar o cara.”

“O que ele fala?”

“Em resumo. Que se elas fossem bonitas e atraentes teriam gerado filhos em vez de livros, e que a gente deve agradecer a natureza por tê-las feito feias o suficiente para se dedicar não ao casamento e sim à literatura.”

“Lol.”

“Engraçado isso? Esse machismo horroroso?”

“Me cita um trecho legal desse livro.”

“Umas palavras de um pintor japonês. Katsushika. ‘Desenho formas e objetos desde os seis anos. Aos 50 produzira um numero infinito de desenhos. Mas não estou satisfeito com o que fiz antes dos 70. Aos 80, progredira muito. Aos 100 terei chegado a um estado superior de arte e, aos 110, cada ponto e cada linha terão vida. Desafio aqueles que viverem a ver se cumprirei minha promessa.’ Ele tinha 83 anos quando disse isso.”

Pedro percorreu com os olhos o corpo de bailarina de Cris, esculpido finamente ao longo de anos de exercícios penosos de barra e logo tornado moreno pela luz do sol. Tinha se desinteressado de Agatha Christie, Paul Johnson, Jane Austen e George Sand, e de todas as escritoras que tinham se dedicado às letras por supostamente não terem encontrado homens interessantes que as desejassem e as levassem ao altar e lhes dessem filhos.

“Saudade do Poltergeist”, ele disse. Nenhuma outra pessoa entenderia senao Cris. Era o suficiente.