A geração que “estuda” para ser influencer. Por Moisés Mendes

Atualizado em 24 de outubro de 2024 às 9:16
Mulher grava a si mesma enquanto se maquia – Foto: Drazen Zigic

Originalmente publicado em Extraclasse

Agora, enquanto lê esse texto, um parente seu, um amigo ou um colega pode estar vendendo alguma coisa que tem, inclusive o carro, para pagar uma mentoria a alguém que ensina a ganhar dinheiro como influencer. Um irmão, um filho, um vizinho podem estar tentando ficar famosos e ricos.

Submeter-se a uma mentoria é o novo vício dos brasileiros, principalmente os jovens. Um mentor que sabe mostrar os atalhos pode cobrar R$ 50 mil ou mais por um curso, para que alguém comece a treinar e trabalhar para ficar rico.

Se não ficar, a culpa será do próprio candidato a influencer, e não da mentoria, do professor que ensina a ser influenciador. A mentoria não erra nunca. Quem falha é quem não soube aproveitar a chance de ficar milionário.

Essa é a nova culpa que começa a consumir os brasileiros que fracassam. O desalento dos sem sucesso aparece em pesquisa da antropóloga brasileira Rosana Pinheiro-Machado, professora da Universidade de Dublin, na Irlanda.

Rosana escreve sobre esse mundo, tentando ver como se dão as conexões do ultraconservadorismo com toda forma de ilusão e esperteza, e assim estuda o mercado de influencers no Brasil.

A pesquisadora monitorou, desde o começo do ano, a relação entre 549 mentores brasileiros do Instagram, que vendem cursos, e cerca de 500 mil aspirantes a influenciador. O que ela já tem de conclusões, e que mostrou em entrevista à Folha, é até agora assustador, mesmo que o estudo ainda não esteja encerrado.

Logo do Instagram – Foto: Reprodução

A conclusão mais óbvia que se tira do que ela diz: uma parcela de milhões de jovens brasileiros sonha mais com o mundo mágico dos influencers do que com uma vaga na universidade. O brasileiro quer acreditar nos milagres do mundo de Pablo Marçal.

Ele sabe que é um funil para pouquíssimos, que pode vender um carro e não chegar lá (Rosane conversou com gente que vendeu), mas que no fim, para a maioria, sobrará a resignação. Se não deu certo, a culpa é minha.

Numa amostra de mil perfis, num mundo de 500 mil criadores de conteúdo brasileiros de todos os tamanhos, a antropóloga descobriu o seguinte: a maioria é de mulheres, pobres, periféricas e/ou negras.

Há os influencers que falam para amigos, para a família, para uma comunidade da periferia e os que falam para mais de 50 mil pessoas. Esses, a partir desse número de seguidores, são candidatos a virar mentores.

Claro que a maioria não ficará rica, mas já ensinam aos outros como podem ficar. São mentores que se esforçam para chegar à casa dos 150 mil seguidores. Quem alcançar 200 mil, já pode exibir poder. Os grandões, como Marçal, estão acima dos 400 mil e chegam aos milhões.

O que a pesquisa expõe como realidade assustadora: que jovens suburbanos e de classe média enxergam na magia do Instagram e das redes a possibilidade de ascensão social.

Um jovem vai à luta não mais pelos meios usados pelos pais, até porque ele sabe que a maioria dos que vieram antes fracassou ao tentar fazer uma faculdade ou ter um bom emprego.

Eles sabem que também no mundo analógico existe um funil. Mas agora, no mundo virtual, há o imponderável, o inusitado, o imprevisível. A surpresa pode estar ao seu lado, e tudo parece muito mais divertido.

São, pelas contas da pesquisadora, 25 milhões de brasileiros que ‘trabalham’ ou acham que estão trabalhando no Instagram, mais da metade sem renda e sem domínio do meio que usam.

O mundo digital os afasta da realidade e faz com que cada vez mais gente, que atua como mentor, explore essa ilusão. Rosana disse à Folha: “Hoje, junto com as igrejas evangélicas, a lógica do marketing digital é a grande mola propulsora da criação de sonhos e de fantasias”.

É um mercado desconectado do mundo que existe e que sobrevive da própria miragem. A ilusão é o negócio. Quem ainda não chegou lá, decide que pode ensinar a chegar. Dizem: eu não consegui ou consegui pouco, mas você mais conseguir.

Essa geração sabe que seus avós e seus pais tentaram virar médicos e engenheiros. Mas poucos conseguiram. Eles não querem saber dessa disputa. Querem a competição, mas não no mundo da classe média que pode chegar a um bom padrão de vida normal, se chegar.

A competição se dá no mundo não muito normal do imponderável dos milionários, porque há mercado. Dois terços dos brasileiros seguem algum influencer. Se há mercado, é preciso apostar que uma boa mentoria fará com que se chegue a esses consumidores seguidores.

E surge então a pergunta de quem frequenta aqui o site do Extra Classe pode ter alguma relação, mesmo que muitas vezes não profissional, com a educação. Essa é a pergunta: e o estudo, o sonho de chegar à universidade e concluir uma faculdade?

Esse sonho é considerado cada vez menos tentador para milhões de jovens. Porque envolve sacrifícios que pais e avós enfrentaram. E não oferece, como o mundo virtual, a chance do imprevisível.

Teremos daqui a alguns anos um balanço da primeira geração que tentou ser influencer profissional. Qual serão os danos e as sequelas dessa frustação?

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