A “guerra santa”: igrejas evangélicas e o poder conservador na América Latina

Atualizado em 1 de maio de 2020 às 9:11

PUBLICADO NO UNISINOS

Até a segunda metade dos anos 1980, a direita religiosa dos Estados Unidos era considerada uma minoria de fanáticos. No entanto, a partir de 1988, com o surgimento na cena política de Pat Robertson, começou uma enxurrada de “mensageiros divinos” que souberam ganhar espaços nas democracias americanas.

A reportagem é de Walter C. Medina, publicada em Nueva Tribuna, 22-11-2019. A tradução é do Cepat.

Pat Robertson é um telepregador que transmite sua mensagem pelos Estados Unidos e para 180 países, em mais de 70 idiomas. Patrocinado pelo Partido Republicano, competiu pela presidência de seu país, embora se retirou antes de seu amigo pessoal, George Bush (pai), resultar vencedor das primárias. “Deus me enviou aqui para comprar sua emissora”, disse Robertson, quando adquiriu por 37.000 dólares uma televisão local da Virgínia, que rebatizou de “Christian Brodcasting Network” (CBN). Segundo o próprio Robertson, o objetivo único da CBN é “Louvar a Deus Todo-Poderoso”. Paralelamente, Robertson fundou a poderosa Coalizão Cristã, uma influente rede de pregadores que ganhou espaço na política como conselheiros e consultores.

A influência de Robertson e seus meios de comunicação se tornou visível, pela primeira vez, durante a eleição presidencial em que George Bush filho obteve a vitória. Das forças evangélicas extremistas, que estavam sob sua liderança, vieram 40% dos votos. Em sua campanha para Bush, Robertson insistiu nas questões morais que os evangélicos conservadores insistiam há anos, como obrigatoriedade das orações nas escolas e a conscientização antiaborto. George W. Bush ganhou a Casa Branca apenas com o apoio dos evangélicos. “Acredito que Deus quer que eu seja presidente”, disse o texano durante sua posse.

A partir desse momento, a imagem de Robertson cresceu. E sua mensagem foi se expandindo até que se tornou o dono de um império no valor de 200 milhões de dólares espalhados pela Ásia, Oriente Médio, África e América Latina. Além das emissoras de televisão e rádio, Robertson tem uma universidade, uma companhia aérea e até uma produtora de cinema em Hollywood. Com esse poder, o fundador da Coalizão Cristã não hesitou em publicar suas opiniões sobre os males que afligem o Ocidente. No dia 11 de setembro de 2001, após os ataques às Torres Gêmeas, Robertson disse que aquilo “era um castigo divino, porque esta cidade está cheia de pagãos, abortistas, feministas, gays, lésbicas e organizações liberais de todas as índoles”.

O império de Robertson continuou a se espalhar e construir laços na América Latina. Em 2005, durante seu programa “The 700 club”, na rede CBN, o pregador e ex-candidato a presidente dos Estados Unidos afirmou que seu país deveria “assassinar Hugo Chávez”. “Temos a capacidade de eliminá-lo e acredito que chegou a hora de exercer essa capacidade”, disse de frente para a câmera.

A influência de Robertson é tão poderosa que se tornou o novo ator na vida política latino-americana. Os grupos evangélicos se propagaram rapidamente, ganhando terreno no monopólio que pertencia, há séculos, ao catolicismo. Seu poder cresce e consegue instalar na agenda jornalística e na opinião pública um discurso conservador e antidireitos.

O relatório do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG), intitulado “Igrejas Evangélicas e Poder Conservador na América Latina”, indica que “os evangélicos exploram politicamente seu grande desempenho midiático, graças a suas próprias emissoras, canais de televisão e redes sociais, que deixam em desvantagem os demais candidatos do sistema político”. Esses meios de comunicação são caracterizados por uma enorme capacidade econômica e são “fervorosos defensores do neoliberalismo e da sociedade de consumo”.

Jair Bolsonaro, Sebastián Piñera, Lenin Moreno, Iván Duque, Mauricio Macri e a autoproclamada presidente da Bolívia, Jeanine Áñez, desfrutam do apoio das igrejas evangélicas que atuaram a seu favor durante as campanhas, e, no caso de Áñez, de seu golpe de Estado. A participação das igrejas evangélicas na política latino-americana alimentou a ultradireita para impulsionar sua agenda conservadora por meio de seus candidatos próprios ou dando apoio àqueles que promovem seus princípios.

Segundo o filósofo e teólogo Enrique Dussel, “os Estados Unidos promovem uma guerra santa para causar quedas na América Latina”.

As tentativas de desestabilizar os governos progressistas da região através de campanhas midiáticas, lawfarefake news, golpes brandos através dos quais conseguiram desgastar e até mesmo aprisionar líderes populares, são alguns exemplos por trás dos quais a cruzada evangélica na região teve o seu peso. “Nossa força é de Deus, o poder é de Deus”, disse a presidente ‘de facto’ da Bolívia, Janine Áñez, empunhando uma Bíblia, no que talvez seja a imagem mais representativa da guerra santa declarada na América Latina.