A herança escravagista retratada pela Tuiuti escancarada na cena do sujeito tendo os pés lavados com champanhe por um serviçal. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 15 de fevereiro de 2018 às 20:20

Quem precisa da Tuiuti mostrando a herança escravagista do Brasil como alegoria na Sapucaí se nós temos a realidade de Jurerê Internacional?

A cena do empresário Douglas Aguiar tendo os pés lavados num beach club com champanhe Veuve Cliquot (em torno de 300 reais a garrafa) fala por si mesma.

Douglas, que é dono de uma empresa de locação de andaimes chamada Brastub, estava com os pés sujos de areia e mandou o garçom dar um jeito.

Não podia ser água. Tinha que ser com a bebida cara.

Não podia ser ele mesmo. Tinha que ser o serviçal — que, se não atendesse o amo, iria para o olho da rua.

Aguiar é o novo rico típico. Vive saindo em notinhas sociais por conta de jequices desse jaez. Tem uma coleção de carros e um helicóptero. Organiza “feijoadas”.

Em 2010, bateu sua Ferrari num acidente em Belo Horizonte e a abandonou. Depois foi buscar, pagando 70 mil reais. De acordo com a polícia, o automóvel se espatifou numa mureta. Ele machucou a mão.

O que a Tuiuti fez — e por isso desagradou tanto a direita brasileira, que não gostou de se ver — foi escancarar esse legado na avenida.

A bibliografia do enredo do carnavalesco Jack Vasconcelos cita o livro “A Elite do Atraso – Da escravidão à Lava Jato”, de Jessé de Souza.

Segundo Jessé, nossa elite se perpetua no antigo modelo. Surgem novos escravos, com uma “naturalização da miséria e do sofrimento alheio”.

“Temos, como sociedade, ódio aos pobres. Isso veio da escravidão, em que havia uma distinção muito clara entre quem é gente e quem não é”, diz.

Tanto no Carnaval do Rio quanto em Floripa, temos esse traço nacional exacerbado, ao vivo e a cores.

Ali na praia está claro quem é gente e quem não é — e não só lá.