A história da maconha contada numa exposição no centro de São Paulo

Atualizado em 21 de maio de 2014 às 13:10
Remédios de cannabis
Remédios à base de cannabis

 

 

A esquina das ruas Major Sertório e Rego Freitas, em São Paulo, já foi o centro da Boca do Luxo. Até 4 de julho a região fica um pouco mais parecida com o “red district” de Amsterdã, o reduto dos prostíbulos e dos cafés legalizados que incluem maconha no menu.

A Matilha Cultural e o Hash Marihuana & Hemp Museum, de Amsterdã, fizeram uma associação inusitada: o centro cultural da Matilha – uma associação de proteção e adoção de animais na Rego Freitas – está apresentando em São Paulo a mostra multimídia “A História da Cannabis: Uma Planta Proibida”.

Lá, em meio aos latidos dos cães que aguardam por uma adoção, você pode fazer sua cabeça sobre várias coisas. Sobre a ex-boca do Luxo, sobre os moradores de rua que recebem comida doada pelos vizinhos do Matilha ou doces do próprio Matilha em alguns momentos, sobre a adoção de animais e, agora, sobre história da maconha, os motivos que levaram à criminalização, e suas consequências.

A maconha não é, apenas, uma droga. Desde sua origem, sempre teve usos comerciais como matéria prima, religiosos e hedonistas ou “recreacionais”, como às vezes são referidos seus efeitos alucinógenos.

Cannabis “sativa” – como o nome indica – refere-se à variante cultivada da planta. Sativa quer dizer “cultivada”. E ela não foi cultivada à toa. Com tantas utilidades, sempre foi muito consumida, e há muito tempo. Uma cerâmica chinesa datada de 10 mil AC e decorada com folhas de cânhamo foi encontrada num sítio arqueológico do período neolítico chinês. Em 2.700 AC, a farmacopeia do imperador Shen Nung já mencionava seus efeitos psicoativos. Os restos de cânhamo mais antigos da África, encontrados em Madagascar, datam de mil anos antes de Cristo.

Cânhamo e maconha são suas palavras que se confundem no Brasil e a razão é simples de entender. Suas fibras são das mais resistentes que existem e desde sempre foram muito utilizadas na fabricação de cabos náuticos. Nos tempos do Brasil colônia e da navegação a vela, Portugal trazia cânhamo de Angola pra o Brasil.

Liamba, diamba e maconha era como os angolanos chamavam o cânhamo. Quando ele chegou ao Brasil, o escravos reconheceram a planta e passaram a aproveitar também as folhas, que eram descartadas. A vida de escravo não era nada fácil e ninguém melhor do que eles conhecia todas as virtudes da planta.

O preconceito e a repressão que até hoje envolvem a maconha no Brasil são apenas ecos da escravidão no período colonial que perduram até hoje, em meio a tantos outros.

A mostra em São Paulo é rica por unir a história da maconha no Brasil à do resto do mundo, e por dividir didaticamente suas utilizações. Ente elas, a medicinal. O curta “Ilegal”, de Raphael Erichsen e Tarso Araújo, conta a história de Anny, a primeira paciente brasileira a obter na justiça o direito de receber tratamento médico com a utilização de fármacos derivados da maconha. Quebrando o Tabu, dirigido por Fernando Gronstein Andrade e produzido por Luciano Huck, traz depoimentos de FHC, Clinton, Jimmy Carter e Drauzio Varella.

Os efeitos medicinais da maconha frequentemente são contestados sob o argumento de que não passam de cortina de fumaça para legalizar o uso “recreativo”. Esse é o tema do documentário americano Esperando para Fumar, de Jed Riffe, também em exibição na mostra.

Se o uso recreativo de qualquer outra coisa for proibido – do show business ao turismo, incluindo álcool e tabaco – o capitalismo desaparece.

Por uma dessas tantas ironias do destino, quem traz um pouco da história por detrás dos “pol pot cafés” de Amsterdã é um capitalista de um dos maiores estados traficantes de escravos, ao lado de Portugal e Inglaterra: a Holanda. Ben Dronkers e seu amigo Ed Rosenthal criaram o primeiro museu do mundo dedicado à maconha. Mas os negócios do grupo Dronkers BV não se restringem ao museu. Inclui também a Sensi Seeds – principal fornecedor de maconha medicinal da Holanda – e a HempFlax, que produz bioplástico para automóveis, tecidos e forragens para animais a partir da fibra de cânhamo.

Vai apertar
Vão apertar, mas não vão acender na hora

Dronkers, no entanto, corre o risco de perder os cafés de Amsterdã como clientes. O tal uso “recreativo” da maconha está ameçado pelo prefeito da cidade Eberhard van der Laan, que obteve permissão da justiça para fechar os cafés. Enquanto a prostituição é legal na Holanda, os produtores de canabis estão cada vez mais fora da lei. Recentemente, Doede de Jong, um dos maiores produtores do país, foi multado em 250 mil euros e condenado a dois meses de prisão – depois revogada – e a cem horas de trabalho social.

Enquanto o Uruguai já legalizou o consumo de maconha, 20 estados americanos já admitiram o uso medicinal e dois o recreativo, a direita holandesa ainda precisa fazer a cabeça. A legislação holandesa é esquizofrenica: o consumo individual nos cafés é permitido mas a produção e distribuição, não. Para o colunista Arend Van den Berg do DutchNews.nl, isso pode colocar os cafés nas mãos dos traficantes e afetar a qualidade do produto oferecido. “O ministério da Justiça vai perder o jogo: só em Heerlen foram encontradas 130 plantações ilegais, a maioria domésticas”, comentou no jornal.

Os holandeses entendem de drogas. A Companhia das Índias Orientais detinha o monopólio da produção e venda de ópio. O monopólio só acabou em 1942 com a invasão da Indonésia. Existem cerca de 700 pot cafés na Holanda. O país pode arrecadar entre 650 milhões e um bilhão de euros em impostos desse comércio.

“Se o governo achar que os preços estão baixos, ele pode aumentar os impostos. Aí o consumo vai cair. Nós aprendemos isso há um século, nos tempos da Companhia das Índias”, completa Arend.

Jura Passos é jornalista. Formou-se na Escola de Comunicações e Artes da USP e fez especialização em comunicação e políticas públicas no Hubert H. Humphrey Institute of Public Affairs da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. É um eterno aprendiz de capoeira, samba e maracatu e adora viajar de bicicleta por ai, menos em São Paulo.