A história de Giovanni Quintella não é um caso isolado. Por Nathalí

Atualizado em 11 de julho de 2022 às 22:08
Giovanni Quintella Bezerra, médico preso por estuprar paciente durante parto
Foto: Reprodução/TV Globo

Por Nathalí

A essa altura, a história de Giovanni Quintella Bezerra decerto já te deu ânsia de vômito, visto que viralizou instantaneamente e está em todas as manchetes – e não era pra menos.

O anestesista flagrado estuprando uma mulher durante cesariana foi preso na madrugada desta segunda-feira após ser filmado por um celular escondido pelas próprias colegas de equipe que já desconfiavam de sua postura.

Segundo as técnicas de enfermagem, as doses de anestésico aplicadas eram exageradas – uma delas contou que as mães sequer conseguiam segurar seus bebês após o parto, de tão sedadas. Além disso, descrevem que “a forma como ele se movimentava por trás dos lençóis era estranha.”

Essas mulheres – que são, antes de qualquer profissão, mulheres – agiram com heroísmo em defesa de outras mulheres, e devem servir de exemplo pra todas nós.

Ao perceberem o perigo, foram em busca de provas, mesmo sem a ajuda de um superior ou da própria instituição, sabendo que, por vezes, a palavra da mulher é invalidada diante da palavra de um homem, sobretudo de um homem com mais formação e profissionalmente mais respeitado. Elas souberam o que fazer e como fazer.

As técnicas de enfermagem não estavam, portanto, presentes na sala no momento do estupro. E, por isso, não puderam impedi-lo. O celular foi posicionado em um armário de vidro e flagrou o momento do crime.

Giovanni foi preso em flagrante. Conduzido no banco de trás, não nos fundos, como vão os pretos carregados pelos camburões, com ou sem inocência, constituiu advogado que declarou só se manifestar quando tiver conhecimento na íntegra do processo – trocando em miúdos: “silêncio até saber o quão f*dido o meu cliente está”.

No vídeo do flagrante, a paciente está totalmente dopada e inconsciente. Enquanto a equipe do hospital realiza a cesariana, Giovanni abre o zíper da calça, puxa o pênis para fora e o introduz na boca da grávida. A violência dura 10 minutos. Terminado o estrago, ele pega um lenço de papel e limpa a vítima para esconder os vestígios do crime.

Com acesso ao vídeo, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) abriu nesta segunda-feira (11) um processo para expulsar Giovanni. A Fundação Saúde do Estado do Rio de Janeiro e a Secretaria de Estado de Saúde, que o Hospital da Mulher de Vilar dos Teles, em São João de Meriti, onde ocorrerem os estupros, está subordinado, repudiaram em nota a conduta do médico anestesista.

Ou seja: ele está muito f*dido.

Mas para a sua sorte e de seus defensores, o estuprador é também o homem “ilibado”, que já trabalhou em mais de 10 hospitais públicos e privados, e talvez não seja sequer lembrado daqui algum tempo (vejam que hoje, um texto sobre Roger Abdelmassih, estuprador em série com mais de 50 vítimas, já não encontra leitores).

Quando estive internada, um enfermeiro, depois de me servir um coquetel de comprimidos, me pediu que levantasse a saia. Foi isso que eu escutei da direção da clínica: “nós vamos mesmo acabar com a carreira de mais de 10 anos de um enfermeiro por causa de um pedido?”. “Sim, vamos”, eu respondi. Hoje ele continua abusando de mulheres vulneráveis nas salas vazias.

A verdade é que não estamos seguras em lugar nenhum: nem no hospital, nem na rua, nem no trabalho – vide o ex-presidente da Caixa Econômica Federal, de quem certamente o grande público já esqueceu –, nem em nossas próprias casas. Nem mesmo depois de mortas nossos corpos são respeitados: os grupos de estupradores do IML estão aí pra provar.

Nossos corpos são ainda vistos e classificados como produtos/territórios a serem invadidos, e tudo que o capitalismo patriarcal chama de “evolução” ou “avanço” só corrobora para que essa invasão se dê de forma cada vez mais violenta.

Graças aos valores patriarcais – imbuídos na mídia e na própria organização social – a sociedade, de modo geral, ainda não consegue se dar conta de que o estuprador não é apenas o homem em uma rua escura: é também o anestesista ou enfermeiro ilibado, o amigo da família, o tio, o padrasto, o amigo pra quem você abre a sua casa, o marido que exige sexo da esposa como uma obrigação.

É precisamente por essa razão que, embora seja de fato uma história aterrorizante que faz jus a toda indignação, o caso de Giovanni Quintella é uma história que se repete todos os dias nos hospitais e clínicas Brasil afora, nas casas, nas escolas, nas creches, nos espaços ocupados por homens “comuns”, funcionais, ilibados, enfim – que são, esses mesmos, estupradores.

Quando a sociedade puder compreender isso – quando tivermos avançado suficientemente na direção desse entendimento básico – poderemos começar a conversar sobre a resolução da questão da violência sexual ainda subnotificada no Brasil.

Até lá, casos como este continuarão chocando para depois serem esquecidos e substituídos por outro “caso isolado”.

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