A ideologia da cloroquina ou como nascem as narrativas de extrema direita. Por Wilson Gomes

Atualizado em 7 de abril de 2020 às 10:51

Publicado originalmente no perfil do autor no Facebook

POR WILSON GOMES, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Dei uma olhada no gado esta manhã. Todos se sentindo a última linha de defesa da hidroxicloroquina contra os ataques mentirosos, mal-intencionados e corruptos (sic) por parte dos comunistas, da OMS, da “extrema mídia” e dos isentões. É exatamente assim que nascem as grandes mitologias da extrema-direita, meus amigos.

Retoricamente, eles não podem simplesmente sustentar uma posição. Há uma lista de coisas que precisam acompanhar as suas posições:

1º) Teorizar um complô, envolvendo inimigos muito poderosos e inteiramente mancomunados em um plano secreto e maligno. “Somos um bastião de virtuosos cloroquinófilos cercados de maléficos cloroquinófobos por todos os lados”.

2º) Construir um inimigo. No mundo real, não há qualquer pessoa contra a hidroxicloroquina, apenas um demanda de prudência científica, contra a precipitação e a favor de mais testes. “Tomara que dê certo, mas ainda não é prudente dizer à população para correr à cloroquina”. No mundo da narrativa, “os cloroquinófobos (ou os “negacionistas da cloroquina” como disse Cochinchino) estão escondendo as pessoas que ficaram curadas do covid-19 tomando a droga porque querem que morram muitos para destruir o governo Bolsonaro”

3º) Que os envolvidos na tramoia sejam principalmente os “inimigos preferidos”: a esquerda, porque são de direita; os liberais/progressistas, porque são conservadores; a OMS, a ONU etc., porque são antiglobalistas; o jornalismo de referência, porque alérgicos a dados e fatos; os cientistas e professores, porque o anti-intelectualismo aí predomina; a elite, porque são populistas.

4º) Tratar a sua hipótese, por mais disparatada que seja, como se fosse a Pedra Filosofal, o Último Segredo de Fátima, o Oráculo de Apolo, o Santo Graal, que permitirá aos conhecedores do segredo vencer os inimigos. “Se tivessem usado a cloroquina não teríamos chegado a este ponto, precisamos de um ministro que defenda a cloroquina”.

5º) Transformar a defesa da tese em uma questão identitária, existencial e urgente. “Se não defendermos a hidroxicloroquina, o mundo perecerá”.

Assim nasceu a Saga da Mamadeira de Piroca, as Lendas sobre Jean Wyllys, a Épica de Lula e os seus filhos. Mas também a ideia de que somos uma ilha minoritária de heterossexuais cercada de ameaçadores homossexuais por todos os lados. Sabem o que é pior? Funciona.

Cloroquina Acima de Tudo, Teorias da Conspiração Acima de Todos.