A ilusão do “Tarcísio moderado” e as lições dos que “negociaram” com Hitler

Atualizado em 8 de setembro de 2025 às 17:19
Tarcísio e Moraes em outros tempos

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, era visto por muita gente esperta como uma figura “moderada” dentro do espectro bolsonarista, uma alternativa ao radicalismo do chefão.

Inicialmente, sua postura mais cautelosa gerou a expectativa de que ele se transformaria na fabulosa “terceira via”. A realidade mostrou que essa visão sempre foi ilusória.

No 7 de setembro, Tarcísio saiu do armário. Durante os atos em São Paulo, chamou o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de tirano e ditador e defendeu, sem reservas, anistia a seu mentor e aos réus do 8 de janeiro.

Quando ele se apresenta agora como um “sósia” de Jair Bolsonaro, como alguns ministros do Supremo o definem, percebe-se o erro de avaliação. Não há apaziguamento possível com Tarcísio et caterva. Nunca houve.

A história mostra que essa aproximação “republicana” com fascistas é um equívoco estrondoso para a democracia.

O livro “Negociando com Hitler”, de Tim Bouverie, oferece uma perspectiva interessante. Na Europa na década de 1930, Inglaterra e França tentaram, na esperança de evitar um novo conflito mundial, dialogar com a Alemanha nazista.

O primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain acreditava que poderia evitar a guerra com concessões a Hitler, incluindo o famoso Acordo de Munique de 1938, que entregou aos alemães os Sudetos na Tchecoslováquia, na tentativa de aplacar suas ambições.

Chamberlain, como muitos outros, acreditava que uma postura conciliatória poderia garantir a paz. A tentativa de ceder e negociar com Hitler, líder de um regime já amplamente autoritário e expansionista, apenas fortaleceu o ditador e o encorajou a avançar ainda mais, culminando na Segunda Guerra Mundial.

Chamberlain (esq.) e Hitler saem da reunião em Bad Godesberg, na Alemanha, em 23 de setembro de 1938

A política de apaziguamento, longe de trazer a paz, permitiu que o regime nazista ganhasse força e audácia, o que resultou em um conflito devastador. Sempre que a Alemanha ou a Itália de Mussolini intensificavam suas demandas — cada vez mais audaciosas e desafiadoras — os britânicos se viam questionando se a transgressão mais recente era grave o suficiente para justificar uma “guerra preventiva”.

Uma série de emissários britânicos, incluindo o Secretário de Relações Exteriores Lord Halifax, continuava insistindo que o desejo de paz de Hitler era “sincero”.

Como Bouverie descreve, a tentação de ceder pode se tornar uma falha estratégica e moral profunda. Tarcísio, ao abandonar qualquer disfarce e assumir um discurso tão radical quanto uma velha bolsonarista de zap, revela que sua postura nunca foi outra senão a de um golpista criminoso.

Não se pode ceder a autoritários. A resistência, a firmeza e a lei são a única resposta possível diante deles.

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.