A imagem de um menino sem vida numa praia vai mudar o debate sobre os refugiados?

Atualizado em 3 de setembro de 2015 às 14:25

menino - imprensa

Por Roy Greenslade, no Guardian.

 

A maioria das primeiras páginas dos jornais do Reino Unido foi dominada por imagens de um policial carregando o corpo sem vida de um menino de 3 anos de idade, encontrado na costa turca.

Imagens similares foram mostradas na televisão na noite anterior. Ele também apareceu em canais de TV do mundo todo, em muitos jornais de toda a Europa, na Turquia, e em muitos países do Oriente Médio.

De acordo com a imprensa turca, o menino era Aylan Kurdi, de Kobanî, no norte da Síria, e morreu com o irmão de 5 anos de idade. Eles estavam entre doze sírios que se afogaram ao tentar chegar à ilha grega de Kos.

Esse é o tipo de imagem icônica que certamente será republicado por muitos anos porque encapsula, em um único quadro, a tragédia de pessoas que fogem da opressão dispostas a correr riscos extraordinários, a fim de alcançar a segurança no Ocidente.

Foi uma imagem chocante que mesmo os editores que fazem propaganda anti-refugiados semana a semana sentiram que era necessário dar a ela visibilidade.

Ele estava nas primeiras páginas do Times, do Sun, do Daily Mail, do Daily Mirror, do Metro e do Guardian. O Independent usou a imagem sem dúvida mais angustiante do corpo lavado nas ondas, que alguns podem ter achado de mau gosto (embora também tenha sido mostrada na televisão e pareceu relevante para mim).

Estranhamente, o Daily Telegraph publicou a imagem do policial levando a criança em uma página interna. Mais estranho ainda: o Daily Express publicou a história dos “dois meninos mortos na praia”, mas não utilizou a imagem.

Talvez esses editores sentiram que seus leitores não seriam capaz de digerir. Talvez eles tenham pensado que era demasiado simpático aos refugiados. Seja qual for o caso, as suas decisões estavam erradas. Ali estava o corpo de um menino do Oriente, num lugar onde nunca iria chegar.

Ele humanizou o “enxame”, como o “Mail” reconheceu: “a minúscula vítima de uma catástrofe humana”. A manchete do Metro dizia: “A Europa não podia salvá-lo.” O Mirror colocou a culpa na Grã-Bretanha, dizendo: “Deveria envergonhar os líderes esta imagem angustiante, incluindo David Cameron, que se recusam a aceitar mais refugiados”.

Yasmin Alibhai-Brown, escrevendo no site “i”, também bateu no primeiro-ministro, perguntando se a imagem pode “romper as fortalezas emocionais e políticas.”

Ela argumentou que a imagem de uma menina fugindo de um ataque de napalm no Vietnã em 1972 “mudou a opinião pública americana contra aquela guerra terrível.” Poderia esta imagem do menino na praia mudar a opinião pública britânica e / ou europeia? Será que vai tornar-se “um símbolo da brutalidade ou da humanidade européia?”, ela perguntou.

Essa é certamente a pergunta certa, mas para além das fotos de Aylan Kurdi, uma verificação rápida das outras manchetes e artigos sobre a crise dos refugiados sugerem que é business as usual para a maioria dos editores.

Havia uma mensagem clara: a Grã-Bretanha tem o direito de recusar-se a acolher mais refugiados. O Mail protestou contra Angela Merkel e a Comissão Europeia por “tentar chantagear o Reino Unido a aceitar mais sírios requerentes de asilo”.

E várias das manchetes e matérias maiores foram dedicadas ao “sofrimento” dos viajantes do Eurostar, cujos trens foram atrasados ​​por migrantes entrando no túnel da Mancha.

Em um editorial, o Sun procurou separar “migrantes meramente econômicos” de “refugiados genuínos.” A Grã-Bretanha estava certa de conter “os milhares reunidos em Calais”, mas Cameron deve fazer algo para aqueles que correm perigo na Síria.

“A nossa nação”, ele disse, “tem um histórico orgulhoso de acolher pessoas desesperadas e não devemos recuar a partir de agora”. Continua:

“O maior movimento de refugiados da Europa desde a Segunda Guerra Mundial deve ser combatido na fonte. Cameron e Obama devem finalmente levar a sério a trazer ordem para a Síria, Iraque e Líbia. ”

Mesmo se for viável, “trazer ordem” seria um projeto de longo prazo. Enquanto isso, a crise é aqui e agora. Pode-se argumentar que é possível detectar a partir do que foi exposto neste artigo que a imagem de Aylan Kurdi teve uma influência benéfica.

Seria talvez ingênuo sugerir que a imagem de um corpo em uma praia vai mudar mentalidades, mas eu gosto de pensar que sim.