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A importância de Lênin nos 100 anos de sua morte. Por Luis F. Miguel

Vladimir Ilyich Ulianov, conhecido como Lenim. (Foto: Reprodução)

 

No domingo, completam-se cem anos da morte de Lênin. Ele foi um dos maiores pensadores marxistas de sua geração, um estrategista político genial e um ser humano admirável.

No Ocidente, o discurso hegemônico tenta vesti-lo com a fantasia do “ditador sanguinário”, um adepto primário da visão de que “os fins justificam os meios”, um Stálin. O desconhecimento em relação a seu pensamento é gritante. Até um intelectual liberal esclarecido, como Robert Dahl, quanto dedica algumas páginas a ele (em seu Democracy and its critics), não passa de generalizações primárias e comete erros tão pueris quanto chamá-lo de “Nikolai”.

Na esquerda ortodoxa, foi transformado numa espécie de Messias. Sua obra foi tão embalsamada quanto seu corpo, passando a integrar o corpo de escritos sagrados – o “marxismo-leninismo” – que não se podia interpelar, nem aproveitar criticamente, apenas reverenciar.

Mas Lênin foi um teórico sutil e complexo, cujas contribuições para a estratégia da transformação social, para a compreensão do Estado capitalista e para o estudo do imperialismo continuam merecendo atenção. Foi também um exemplo de militante revolucionário, com dedicação a toda prova e uma incrível capacidade de sacrifício pessoal.

Longe de aceitar a doutrina simplista de que os fins justificam os meios, Lênin tinha uma consciência aguda do drama da política, tal como enunciado por Maquiavel: a tensão entre princípios e resultados, entre a ação no presente e a responsabilidade pelo futuro.

No tortuoso processo de deflagração da Revolução de Outubro, brilhou a genialidade política de Lênin, que naquele momento foi capaz de decifrar com perfeição a fortuna e encarnar de maneira cabal a virtù.

Só podemos especular qual teria sido o desenvolvimento da Rússia soviética sem sua incapacitação e morte prematuras. Sabemos apenas que, em seu testamento, ele advertiu contra Stálin.

Josef Stalin. (Foto: Reprodução)

Dedicou sua vida à revolução, mas não foi um bitolado, um ser humano incompleto. Lembro de uma história deliciosa que Jean Cocteau conta em sua entrevista à Paris Review, quando discorre sobre a vida boêmia na Paris do início do século passado:

“Naquela época, todos nós nos reuníamos no Café Rotonde. E um homenzinho com uma testa enorme, arredondada e cavanhaque preto às vezes costumava entrar lá para tomar um gole e nos ouvir conversar. E para ‘olhar os pintores’. Uma vez perguntamos ao homenzinho (ele nunca dizia nada, só escutava) o que ele fazia. Disse que tinha a séria intenção de derrubar o governo da Rússia. Todos nós rimos, porque, é claro, tínhamos essa mesma intenção. Era assim aquela época! Era Lênin.”

Não foi um santo – ninguém que se dedica à ação política pode se dar ao luxo de sê-lo. Acertou e errou, como todos nós. A revolução que comandou se perdeu no caminho e pereceu de forma melancólica. Mas sua principal lição nós não podemos apagar: a de que é possível, de que é necessário, ousar sonhar com um novo mundo e lutar para construí-lo.

Originalmente publicado no perfil do autor no Facebook

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Luís Felipe Miguel

Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.

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Luís Felipe Miguel

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