Outro dia, numa daquelas epifanias que vêm de repente sem pedir licença, vi uma mulher jogada numa calçada, suja e moribunda, e pensei: por que há cachorros que vivem como pessoas e pessoas que vivem como cachorros?
Imediatamente me convenci de que alguém, antes de mim, pensara nisso. Muitas pessoas, decerto. Mas ninguém fazia nada a respeito. Pelo contrário: moradores de rua são sempre vagabundos, e cachorros de madame estão sempre acostumados com ar condicionado: nada de novo sob o sol.
Prova disso veio antes que eu esperasse – já que essa humilde epifania é bastante recente: a escritora Nélida Piñon, morta no último sábado aos 85, deixou sua herança para suas cadelas.
Não sou insensível a ponto de não saber como nossos bichos realmente significam muito para nós. Morro de medo do dia em que minha gatinha se for – e faço de tudo para que ela tenha a melhor vida possível até lá.
Mas daí a deixar uma casa para cadelas em um país onde pessoas passam fome?
Aí é um pouco demais. Nélida fez um testamento deixando quatro apartamentos para a pinscher Suzy e a chihuahua Pilara.
Perdoem: não consigo consentir.
Alguém dirá que cada um faz da própria fortuna o que quiser, e é verdade, mas eu como humana pensante tenho o direito de dizer que a elite brasileira – mesmo a culta e letrada – é obscena, sórdida, cafona e cruel.
Imagino o caminho que esse espírito – fiel às minhas crenças, mesmo respeitando meu país laico – trilhou na Terra. Um caminho tão curto e tortuoso a ponto de não entender que estamos aqui para compartilhar o que temos com nossos iguais.
Tudo bem deixar as cadelas assistidas, com uma vida boa e uma ração de primeira. Mas quatro apartamentos para duas cadelas?
Na dieta delas, diz uma matéria inacreditavelmente caricata, não pode faltam queijo espanhol manchego.
Isso é cuspir na cara de quem não tem onde morar e comer.
É pobreza de espírito. Coisa de quem apodreceu sem amadurecer. Coisa de quem decerto não conheceu o amor universal, a ideia de que todos somos um e que a única coisa que importa é compartilhar com nossos iguais o que temos nas mãos.
O que me resta quanto à Nélida não é revolta, mas uma franca compaixão diante de sua morte sem entender sequer uma ínfima parte do sentido da vida.
Enquanto isso, sigo me perguntando: por que há cachorros que vivem como pessoas e pessoas que vivem como cachorros?
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