A incrível tese futebolística de papai

Atualizado em 1 de setembro de 2010 às 19:01

NUNCA VI um jogo como este.

Eu já tinha 12 anos, e jamais soubera o que era vencer o Santos. Eu era um jovem “sofredor”. Era como os torcedores corintianos eram conhecidos. Sofredores.

Papai me fez ser corintiano sem dizer uma só palavra. Não era necessário.

O Corinthians nos anos 60, quando eu me entendi como gente, teve equipes maravilhosas. O problema é que havia o Santos do Pelé no caminho. Por isso o Corinthians não apenas não vencia o único campeonato que então importava, o incomparável Paulista, como era vítima seguida do Santos.

Foram 11 anos sem vitória contra o Santos. Em minha maldade infantil, eu torcia, na semana de jogo contra o Santos, para que Pelé tivesse uma dor de barriga. Mas ele era extremamente saudável.

Mas aquela noite foi a noite. Vi o jogo pela televisão. Branco e preto.

O Corinthians tinha Rivelino, o Reizinho do Parque, o maior ídolo que tive na vida. Tinha Eduardo, o ponta esquerda. Não muito depois, ele morreria num acidente de carro, para imenso pesar dos corinthianos. Tinha Ditão, o zagueiro heróico que avançava como um viking negro para a área adversária em busca do gol salvador no final dos jogos em que perdíamos. Tinha Luís Carlos,  o quarto-zagueiro que viera dos juvenis e marcava Pelé como ninguém,  com imensa lealdade.

E tínhamos sobretudo Paulo Borges, um atacante sorridente que acabáramos de comprar do Bangu. Era destro e rápido. Tecnicamente, era limitado. Naquela noite, no entanto, ele acertou o chute de sua vida. Com a perna ruim, a esquerda, ele varou o ângulo esquerdo do goleiro do Santos. 1 a 0.

É um gol que entra na lista curta dos mais importantes da história centenária do Corinthians. Nós, os sofredores, éramos enfim felizes. Não que precisássemos de vitórias para amar o Corinthians. Mas bater o Santos já se tornara uma questão de honra. A palavra “tabu”, usada para designar a falta de vitórias contra o Santos, era um anátema para nós.

Mais tarde Flávio, o maior centroavante que vi jogar, um goleador elástico que cabeceava como se estivesse não no ar mas sentado na poltrona tal a facilidade, fez o segundo.

Venceríamos enfim o Santos de Pelé. Era como conquistar um título.

Paulo Borges depois nunca fez nada que prestasse. Sorriu mais que jogou. Mas por aquele gol ele tem um lugar de glória na história do Corinthians.

Papai tinha uma tese.

Ele dizia que não fazia sentido você torcer em São Paulo para um time que não fosse o Corinthians.

O Palmeiras era para italianos da primeira geração de imigrantes, segundo papai. O São Paulo era um time da elite. O Santos sequer da cidade era. A Portuguesa, que era semigrande então, tinha o mesmo problema do Palmeiras. Só portugueses deveriam torcer por ela.

Como todas as teses de papai, nesta eu acreditei cegamente.

Ainda bem.