“A intervenção causa uma escalada de violência e não a pacificação”, diz pesquisador francês ao DCM

Atualizado em 18 de março de 2018 às 17:59
O carro de Marielle

No início do mês, Christophe Ventura, francês, pesquisador do IRIS (Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas) e professor no Instituto Católico de Paris, afirmou ao DCM que a intervenção traria mais violência.

Um dos maiores especialistas na França sobre América Latina, ele acredita que as forças armadas vão piorar a situação da criminalidade no Rio de Janeiro.

Esse tipo de intervenção militar é previsto pela Constituição de 1988, mas nunca havia sido utilizado. Podemos confiar que abusos não serão cometidos?

Não. Não há nenhuma experiência histórica na qual a militarização da segurança pública impeça abusos. Sempre há abusos. A partir do momento em que são os militares quem dirigem, não há mais Direito, não há indivíduos, há uma outra lógica, os militares podem prender as pessoas. Há tortura. É sempre assim e não será diferente no Brasil. Analisando o caso da luta contra o narcotráfico, o fracasso é enorme. São 100 mil ou 150 mil mortos no México, que estão ligados à militarização da luta contra o narcotráfico.

Essa dinâmica cria uma escalada permanente de violência. As gangues, os traficantes, os cartéis, quando atingidos pela ação militar, eles se reorganizam e vão para cada vez mais longe. Isso só estendeu a fronteira do narcotráfico na América Latina. O território atingido pelo narcotráfico só aumentou. Com a militarização, não houve pacificação. Isso nunca existiu. Houve mutação e aumento da violência.

No Rio de Janeiro, onde as favelas são dominadas pelas facções criminosas, o futuro será o mesmo?

Sem dúvida alguma.

Há algum paralelo com o Estado de Urgência contra o terrorismo na França, o qual é condenado pela Anistia Internacional?

Possivelmente sim. Posso estar dizendo uma besteira, mas o militar tem o poder de decretar a urgência. Se o Exército considera que é necessário acionar o Estado de Urgência, ele tem os meios para isso. O dispositivo foi legitimado pelo Congresso. Agora, todo o poder na gestão da segurança é do exército. O que quer dizer Estado de Urgência? A suspensão dos direitos democráticos, via força militar ou de polícia. São situações muito preocupantes.

Mesmo que tenham se tornado lei?

Claro. É ainda pior porque dá-se a aparência de legalidade. Fazem acreditar que há legitimidade. É aí que está o engano. Você pode tornar algo legal, mas esse algo é legítimo? Legalidade não é legitimidade. Ao tornar legal o Estado de Urgência, o poder excepcional concedido aos generais, querem passar uma ideia de legitimidade. Mas não é legítimo. É legítimo que os cariocas sejam hoje desprovidos de seus direitos democráticos por uma simples decisão militar? É legítimo? A questão está posta a todos os brasileiros hoje.

Os cidadãos têm reais maneiras de denunciar os abusos da polícia, de cartéis, do Exército, dos quais são vítimas?

Eu não sei responder. Em relação aos militares, em geral, não há nenhum meio de denunciar, de contestar seus abusos. É complicado porque os processos são tratadas não tribunais civis, mas por tribunais militares. E o que você espera quando os juízes são juízes e parte ao mesmo tempo? Os processos terminam no lixo.

Nem as redes sociais?

Sim. No momento, elas são o espaço no qual tudo isso pode circular. Mas o problema das redes sociais são as fake news. A instrumentalização de tudo, nunca podemos saber… Todo mundo usa (redes sociais) na Venezuela. São uma arma massiva, usada pela oposição e pelo governo. Viram-se imagens na primavera de 2017 imagens terríveis de violência, gente morta. Ora a oposição mostra a polícia que batia nos estudantes, ora o chavismo mostra os policiais queimados, negros queimados pelos opositores. É uma tempestade. É um furacão.

Onde está a esperança para o Brasil e a América Latina?

A esperança… Por um lado, a direita que ganhou na América Latina passou pelas urnas, o que não é o caso do Brasil. Para ganhar no Brasil, ela precisou se valer de meios alheios às eleições. Na Argentina, ela ganhou via eleições. A população pode estar cansada da esquerda, querer mudar, mas a direita não vem com uma posição verdadeiramente hegemônica. Ela é obrigada a considerar que as sociedades latino-americanas são muito mais educadas, conscientes, têm um grande desejo de justiça social, são ligadas a tudo que ganharam nos últimos anos, elas têm uma capacidade de resistência.

Vejamos na Argentina, onde há grandes manifestações contra o governo Macri. A esperança está aí. Mesmo se houver períodos sombrios e duros para os movimentos populares, a esperança é que as populações se reorganizem sempre para resistir à opressão. Isso acontece ainda na América Latina, uma região muito viva do ponto de vista de seus movimentos sociais, do poder de seus movimentos, que pode nos surpreender, sob a condição de que eles não sejam destruídos por regimes autoritários e do Exército.