A iraniana irada e o religioso zeloso

Atualizado em 21 de setembro de 2012 às 9:05
A polícia aborda uma iraniana por uso de "véu ruim"

O Diário saúda libertários e libertários de todo o mundo, aquelas pessoas raras que empurram a humanidade para a frente e para melhor enquanto a manada fica sentada na poltrona.

Hoje a saudação se dirige, em especial, a uma iraniana que, nesta semana, ganhou manchetes entre os sites dedicados às mulheres em muitos países.

Vamos ouvir a história pelo lado de quem recebeu a justa ira dessa iraniana: um clérigo. “Eu educadamente pedi a ela que se cobrisse. Ela me respondeu: ‘Você deveria fechar os olhos’. Ela não apenas não se cobriu, mas me insultou. Eu pedi a ela que parasse de me xingar, mas ela começou a gritar e a me ameaçar. Ela me empurrou e eu caí de costas. Daí por diante, não sei o que aconteceu. Só sentia os chutes da mulher que me batia e me insultava.”

Entendamos.

Há 30 anos, desde a Revolução Islâmica, as iranianas são obrigadas por lei a usar véus. É uma das principais causas de emigração de jovens mulheres do Irã. Se não estão devidamente cobertas, podem ser advertidas e até detidas. A infração, numa tradução livre, é o “véu ruim”.

Mulheres do Irã antes da imposição do véu

Há, é claro, uma infinidade de mulheres que usam véus por vontade própria. Mas existem outras que prefeririam se vestir de outra forma, como aquela em cujo caminho se atravessou o clérigo que apanhou.

Quando a França, na Era Sarkozy, decidiu banir a burca (o véu total), o Diário acusou a hipocrisia intolerante do governo francês. Sarkozy dizia que estava agindo daquela forma para proteger, aspas, as mulheres muçulmanas de seus maridos malvados, aspas.

A França estava desrespeitando seu grito dos anos 1960: “É proibido proibir”. Se havia real incômodo das mulheres de burca, a reação teria que partir delas mesmas.

Sempre foi assim na história da humanidade. Os negros americanos não foram protegidos por brancos bonzinhos, aspas, no esforço de ganhar direitos civis. A luta foi deles mesmos.

As sufragetes inglesas que há mais de 100 anos começaram a reivindicar o direito ao voto jamais dependeram de homens bonzinhos, aspas, para enfim poderem ir às urnas. Elas próprias se insurgiram e combateram seu combate, às vezes de forma singularmente dramática: uma delas atravessou a cerca em que ficava a platéia e se atirou sob as patas de um cavalo no meio da corrida mais importante da Inglaterra. Morreu e se transformou numa mártir das sufragetes.

O Diário, libertário que é, entende que deve usar véu a mulher que gostar e não usar a mulher que não gostar. Básico. A mesma lógica de um homem ao escolher se põe ou não gravata.

No Irã, se o desejo de se livrar da imposição do véu estiver disseminado entre as mulheres, não há homem que vá ser capaz de detê-las. Seria como tentar segurar o vento. A surra que levou o religioso zeloso é um pequeno sinal disso.

Somos contra a violência, evidentemente, mas não podemos deixar de aplaudir, discretamente, um clap apenas e não de pé, a iraniana que pediu ao clérigo que fechasse os olhos e não foi atendida.