A ironia cruel do acidente de Schumacher, o homem que flertou com a morte em toda a carreira

Atualizado em 24 de outubro de 2014 às 16:21
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Em uma dessas reviravoltas incompreensíveis do destino, Michael Schumacher, sete vezes campeão de Fórmula 1, está em estado crítico após um acidente de esqui na estação francesa de Méribel. Schumacher bateu a cabeça enquanto esquiava com seu filho de 14 anos de idade.

O acidente provocou uma onda de solidariedade mundial ao piloto que se tornou uma lenda do automobilismo. É terrível e irônico que um homem que foi o mais rápido de seu tempo em uma pista de corrida, num esporte que já foi o mais mortal da Terra, agora esteja olhando a morte de frente como resultado de um passeio de esqui.

Como o grande Senna, Schumacher é idolatrado em sua Alemanha natal. Há um enorme respeito por sua extrema dedicação e perfeccionismo. Schumacher criou uma aura de invencibilidade gelada quando dominou o esporte em seis anos de Ferrari, entre 2000 e 2005.

Nenhum outro piloto, nem mesmo Senna, foi tão impiedosamente dedicado a todos os aspectos da corrida. Ele dirigiu com uma intensidade robótica que lhe permitia melhorar de forma constante durante o curso de uma prova.

Era também conhecido por suas táticas agressivas. Schumacher tinha perdido o controle e saído da pista no GP da Austrália, em dezembro de 1994, quando estava disputando com Damon Hill o título. O erro permitiu a Hill, cujo carro era claramente mais rápido, ultrapassar Schumi. Ganharia a corrida e o campeonato. Mas Schumacher não estava disposto a ceder. Voltou para a pista e deliberadamente bateu seu Benetton na Williams de Hill. A colisão deixou a Williams bastante danificada e ele parou na volta seguinte, dando o campeonato ao alemão.

Depois, em 1997, Schumacher tentou uma manobra semelhante com o canadense Jacques Villeneuve no autódromo de Jerez. Desta vez, no entanto, a crueldade de Schumi falhou. Apesar das imagens de TV mostrando claramente o que fez, Schumacher recusou-se a admitir que tinha deliberadamente batido em Villeneuve. Perdeu todos os pontos naquele ano. Foi a primeira vez na história da F1 que uma sanção tão grave foi imposta a um motorista por má conduta.

Apesar de sua agressividade, o público alemão considerou-o um herói nacional, emblemático da determinação nacional. Tinha, mesmo, uma vontade indomável de vencer. Em muitos outros países, no entanto, particularmente na Inglaterra, era um vilão que podia ser respeitado, mas nunca amado.

Em pessoa, sempre foi envolvente. Pode ter falado bobagens politicamente corretas em coletivas de imprensa, mas nunca se esquivou de entrevistas e estava sempre disposto a conversar com os fãs e dar-lhes autógrafos. Era visto sorrindo nos boxes e na área do paddock. Seu fanatismo pela perfeição era fascinante.

Schumacher foi generoso na vitória. Nunca tripudiou sobre os concorrentes. O czar da F1 Bernie Ecclestone achava que ele era o segundo melhor de todos os tempos, perdendo apenas para Senna. Em uma entrevista que fiz com ele, Bernie disse que o seguinte: “Michael está em uma classe própria. Você vê isso em suas tomadas de tempo, na consistência, na capacidade de encontrar um décimo de segundo onde ninguém mais podia encontrar, em sua capacidade de dar o máximo sem parar… É por isso que ganhou tantos mundiais”.

Durante sua carreira, só sofreu um grave acidente quando sua Ferrari colidiu com a barreira em Silverstone em 1999. Fraturou uma perna. Quem o operou foi o mesmo Gerard Saillant que agora tenta salvar sua vida. É triste que um homem tão abençoado com o dom para a velocidade tenha visto tal sede impulsioná-lo para um final infeliz nas encostas de Méribel.

Mas é um flerte antigo. Numa corrida de moto em fevereiro de 2009 em Cartagena, Espanha, Schumacher sofreu uma fratura na base do crânio que danificou sua coluna cervical. Estas lesões podem muito bem tê-lo prejudicado em retorno malfadado à F1, quando claramente não era mais o mesmo piloto de antes, conquistando apenas um pódio.

O legado de Schumacher não pode ser contestado. Ele figura entre os maiores e ninguém vai tirar isso dele. Como qualquer gladiador, soldado ou piloto de corridas, se a morte o encontrasse, que fosse na arena de combate e não numa viagem para esquiar com a família no Natal. Oremos para que Schumacher ainda seja capaz de viver muito. Um deus das pistas, sem dúvida, um deus da pistas.