A Istoé com a delação de Delcídio sem Aécio é o ápice da indústria de vazamentos. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 9 de março de 2016 às 15:39
Delcídio conta tudo, mas só demos um pedaço
Conta tudo, mas só demos um pedaço

 

A capa da Istoé com a delação de Delcídio do Amaral, que durou menos de sete dias, explicita a existência de dois tipos de seletividade: o vazamento e a edição do vazamento.

Segundo a Folha e o Globo, Delcídio não entregou apenas Lula e Dilma, como afirmou a revista em sua versão da capa da Veja dos anos 90 (“Pedro Collor Conta Tudo”).

Delcídio citou também Renan Calheiros, Edison Lobão, Romero Jucá, Valdir Raupp e Aécio Neves. Um jornalista da casa contou ao DCM que Michel Temer também teria sido mencionado.

Não é a primeira vez que Aécio aparece na Lava Jato. Já falaram dele o doleiro Yousseff e o operador Carlos Alexandre Rocha, o Ceará. Aécio não está sendo investigado.

A escolha da Istoé para receber a delação surpreendeu quem achava que ela ainda existia. Um funcionário afirma que a editora Três “não tem dinheiro para mandar repórter para Curitiba de ônibus”.

Segundo Janio de Freitas, isso ocorreu porque a Veja e a Época, “na corrida para ver qual acusa e denuncia mais, costumam antecipar na internet os seus bombardeios. A Lava Jato desejava que a alegada delação de Delcídio só fosse divulgada na quinta-feira, véspera das ações planejadas. A primeira etapa funcionou sem falhas, até para ‘IstoÉ’ lembrar-se de si mesma.”

No dia seguinte à chegada da publicação às bancas, policiais federais estavam na casa de Lula cumprindo um mandado de condução coercitiva. O impeachment ressuscitou.

Um email do dono da Editora Três, Caco Alzugaray, cumprimentando sua equipe, é revelador: “Hoje, como em algum dos primeiros dias de julho de 1992, quando trouxemos o Eriberto França na capa da IstoÉ e jogamos a pá de cal sobre o governo Collor, foi um dia histórico pro Brasil, pra Três, pra IstoÉ, pra todos nós”, escreveu.

“Nossos dias, como os da grande maioria dos trabalhadores do Brasil atual, não estão nada fáceis. Mas é assim, fazendo a nossa parte (e muito bem feita como vcs estão fazendo!) é que vamos colaborar para virarmos o jogo! De novo, no Brasil e na Três!”

Caco é amigo de Aécio. A semanal fazia uma cobertura acrítica do governo petista até o mineiro entrar na disputa para a presidência. Obviamente que a amizade conta só uma parte da história.

O tucano faz parte do rol dos “brothers”, como são chamados os intocáveis da empresa. Entram nessa lista Marcelo Odebrecht, Temer, entre outros.

O caso Istoé é o ápice (por enquanto) da indústria de vazamentos de Sergio Moro. Ele mesmo se declarou favorável a esse expediente em seu ensaio sobre a Mãos Limpas, falando da vantagem de contar com “jornais e revistas simpatizantes”.

O que isso tem a ver com justiça? Nada. O colunista do Estadão Eugênio Bucci, tentou recentemente glorificar essa prática.

“Até podemos chamar de ‘vazamento’ a informação sigilosa que desliza, por algum motivo, para fora do âmbito de controle do poder, mas não podemos chamar de ‘vazamento’ uma reportagem, mesmo que, para a realização dessa reportagem, possa ter sido usado o conteúdo informativo de um ‘vazamento’. O nome de reportagem é reportagem. Chamá-la de vazamento é injuriá-la. Reportagem é fruto do trabalho de repórteres.”

Essa bobajada vergonhosa é desmentida, entre outras coisas, pelo raquitismo das redações. Estamos diante de outro fenômeno jornalístico: a publicação de documentos sem qualquer checagem, de fonte suspeita, para coincidir com um cronograma policial, cujo único trabalho de edição é dar um jeito de tirar os “brothers” da parada.

O chato é que eles acabam aparecendo.

 

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