A legitimação de Bolsonaro foi uma extensão da deslegitimação de Lula. Por Fernando Brito

Atualizado em 23 de abril de 2021 às 8:44
EX-PRESIDENTE LULA, PRESIDENTE JAIR BOLSONARO E MINISTRO DA JUSTIÇA SÉRGIO MORO. FOTOS: AGÊNCIA BRASIL

Publicado originalmente no Tijolaço:

Por Fernando Brito

Poucos o dizem, quase todos o sentem.

A confirmação, ontem, pelo Supremo Tribunal Federal, da já óbvia suspeição de Sergio Moro nos processos que conduziu contra Lula, reconhecendo que ele perseguiu, sistematicamente, o ex-presidente foi um tiro de canhão que provocou efeitos que vão muito além da pulverização da já rotíssima figura do ex-juiz de Curitiba, já transformado em um molambo que nem mesmo seus patrões da Alvarez & Marsal preservam, rebaixando-o de festejado diretor para mero “consultor free-lance“.

Pouco importa que o ex-juiz e sua claque na mídia e na elite estivessem rompidos com ele: ninguém sai mais ferido da decisão formalizada ontem que Jair Messias Bolsonaro.

E a razão é evidente: a legitimação de Bolsonaro foi uma extensão da deslegitimação de Lula, a ponto de ter-se tornado um bordão o “mas e o Lula, mas e o PT?”.

Repare: não foram as virtudes, as ideias (?), os projetos, a trajetória, o partido (?), os apoios, a retórica, a ideologia, nada disso foi o que elegeu Jair Bolsonaro: foi a possibilidade de execrar, politicamente, aquele que havia sido julgado corrupto, preso, humilhado, lançado ao linchamento da opinião pública.

Foi isto o que fez de Moro e dos facínoras de Curitiba os maiores eleitores de 2018. O Exército, os militares, foram avalistas, sim, mas ninguém pode duvidar que a Lava Jato, além de tirar Lula das urnas, deformou-o aos olhos de parte da população e buscou sua execração.

Este foi o pano de fundo da sessão de ontem do Supremo. Não podendo resistir sem ceder terreno às revelações das armações de Moro, Dallagnol e companhia, o lavajatismo tentou a manobra desesperada de anular a condenação formal sem anular a condenação política, com o reconhecimento da incompetência do foro de Moro. Abriu, assim, o flanco para sofrer uma derrota maior, deixando que se alcançasse a sua própria condição de imparcialidade, sem a qual perde-se a de juiz.

Sublata causatollitur effectus, eliminada a causa, desaparece o efeito, diz a locução latina e isso, se não for entendido como um fenômeno instantâneo, é o que tende a acontecer agora, ainda que o efeito terrível daquela manipulação ainda vá, desgraçadamente, se fazer sentir no afundamento do país e na vida (e na morte) dos brasileiros por longos meses.

Lula, que nunca abaixou a cabeça e preferiu submeter o corpo aos 580 dias de prisão que cumpriu, tem agora reconhecida formalmente a condição de vítima de perseguição e de injustiças. E não assumirá isso como vitimização dele próprio, mas da população, que sofreu a perda da sobrevivência, da prosperidade, ao sonho de ser feliz e de viver em paz.