A legitimação penosa do Supremo Tribunal Federal. Por Luis Nassif

Atualizado em 14 de dezembro de 2020 às 19:06
Justiça. Foto: GIL FERREIRA/SCO/STF

Publicado originalmente no GGN:

Por Luis Nassif

De um profundo conhecedor dos meandros do Supremo Tribunal Federal, algo impressionando com meu desânimo em relação à corte.

Nos últimos tempos, sem alarde, o STF foi desarmando os principais instrumentos de abusos contra direitos individuais, diz ele. Derrubou prisão após segunda instância, consolidou as audiências de custódia, proibiu prisão preventiva sem prazo, deu acesso aos advogados de Lula à delação da Odebrecht e, agora, excluiu a delação de Antonio Palocci da ação contra Lula; obrigou a participação dos sindicatos em processos de demissão e segurou a possibilidade de venda das estatais sem autorização do Congresso e sem licitação, embora convidasse a manobra de venda das subsidiárias. Fica devendo o julgamento da suspeição de Sérgio Moro, que está com Gilmar Mendes, mas depende apenas de desanuviar um pouco a pauta política da corte. Os “garantistas” – a fonte tem alguma resistência em usar o termo, pois acha que o grupo deve ser caracterizado como “constitucionalista” – ganharam o reforço de Nunes Marques, levando os punitivistas a manobras para impedir o avanço das garantias individuais.

Tudo isso foi possível graças à parceria com Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Daí a razão de parte do Supremo ter articulado o movimento para permitir a reeleição de Maia, baseado em fundamentos jurídicos, discutíveis, é claro, mas legítimos – segundo a fonte. A intenção óbvia era fortalecer a democracia, impedindo que Bolsonaro avançasse no controle do Legislativo. E essa questão foi tema central de reuniões com participação direta do presidente da casa, Luiz Fux, que concordou integralmente com a estratégia.

Houve uma reação hipócrita da mídia, diz ele. Aceitaram todos os atropelos à Constituição, sem reclamar. Agora, de repente tornam-se constitucionalistas, zelando pela interpretação estrita da Constituição. Mas houve também, miopia dos setores progressistas, ao não se dar conta do risco de um Congresso controlado por Bolsonaro. E Luiz Fux e Luis Roberto Barroso são extremamente suscetíveis à voz das ruas, quando canalizadas pela Globo (aí, a observação é minha).

Os argumentos amenizam a visão negativa que se tem da Corte. Mas não apagam seus pecados.

Por exemplo, até hoje não houve desdobramento do “inquérito do fim do mundo”, aberto pelo Supremo, nem das fake news, parado no Tribunal Superior Eleitoral.

A fonte manda esquecer o TSE. Não há legitimidade popular para tirar um presidente do cargo, diz ele. A composição do tribunal não ajuda – são 3 Ministros do STF, 3 do STJ e 3 advogados – com mandato fixo de 2 anos. Sem o respaldo de votos – que só o Congresso tem – ninguém ousará tirar um presidente do cargo.

De qualquer maneira, o caso deveria ir a julgamento, inclusive para firmar jurisprudência. Porque um prefeito do interior pode ser cassado, se for a uma festa de aniversário durante a campanha, e um presidente pode apelar a redes profissionais de fake news, à assessoria de um consultor estrangeiro, como Steve Bannon, e sair incólume?

Este é o dilema brasileiro. Todas as iniciativas do STF dependem das circunstâncias políticas. Não se coloca em julgamento a suspeição de Moro devido às circunstâncias políticas; não se julga o caso das fake news, devido às circunstâncias políticas.

Rodrigo Maia decidiu unilateralmente não colocar em votação os pedidos de impeachment de Bolsonaro. A alegação – de que não queria desviar atenção do combate ao coronavirus – configura claramente o crime de prevaricação.

E aí se escancara a falta de tradição democrática brasileira, institucionalmente uma mera republiqueta latino-americana, sua única diferença das demais é a simulação de algumas formalidades jurídicas para endossar a seletividade da justiça.

Nem se condene os guerreiros isolado que, na corte, defendem a democracia. Os ataques e a defesa da democracia passam igualmente pelo atropelo das leis e da Constituição porque, em determinado momento da história, o Supremo atropelou a Constituição e enfraqueceu tão decisivamente uma presidente legitimamente eleita, que a expôs à sanha dos políticos que antecederam o bolsonarismo.