A lição da estudante que humilhou Telhada e da ativista que encarou 300 neonazis suecos. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 7 de maio de 2016 às 15:34

 

Era a Alemanha de 1936, e uma multidão se aglomerou em Hamburgo para assistir ao lançamento de navios de guerra. Enquanto milhares de pessoas executavam a saudação nazista, um homem cruzou os braços, numa solitária atitude desafiadora.

A foto circulou durante décadas até que, em 1991, ele foi identificado como August Landmesser. Landmesser trabalhava num estaleiro e era casado com uma judia. Segundo sua filha, ele pouco falava sobre a cena, apenas que “era o certo a fazer”.

Landmesser (no círculo)
Landmesser (no círculo)

 

Separadas de Landmesser por um oceano, duas mulheres deram inspiradoras demonstrações de coragem diante de fascistas. Karol Rocha é a garota que aparece enfrentando o Coronel Telhada na Assembleia Legislativa de São Paulo num vídeo que viralizou.

Karol recebe voz de prisão de um Telhada ensandecido e algumas vezes maior do que ela, acompanhado do Major Olímpio, um puxa saco troglodita da mesma espécie.

Telhada, ex-comandante da Rota, deputado estadual com a segunda maior votação no estado (o campeão foi Fernando Capez, veja só), avança sobre ela a bordo de todos os tiques psicóticos da Polícia Militar.

—  Você está pensando que está falando com algum moleque? Eu sou deputado e deputado tem que ser respeitado nessa casa!, grita ele.

— Porque você é deputado?, ela devolve.

— Sim, senhora.

— Eu sou estudante, mulher e também mereço respeito.

— Vou botar essa moça daqui pra fora.

— Aqui é a casa do povo!

Telhada exige que ela baixe o tom com ele. “’Vai me prender? Por quê? Por que eu defendo uma CPI legítima?”, ela diz. “É por isso mesmo”, confessa o elemento.

Quantos marmanjos fariam o mesmo? Conto nos dedos: nenhum. A reputação de Telhada o precede. Entre maio de 2009 e novembro de 2011, quando chefiou a Rota, o número de mortes aumentou em 63,16% com relação ao período anterior.

Evangélico, escreveu em seu Facebook que o repórter André Caramante era “notório defensor de bandidos” depois de uma matéria de que não gostou. Os seguidores entenderam o recado do patrão. Caramante teve de sair do Brasil por um tempo.

Karol reduziu-o a nada, a mais um vagabundo autoritário abusando de suas credenciais para intimidar os outros, algo que ele e seus comandados fizeram a vida inteira na periferia.

Como ela, Maria-Teresa Tess Aplund ganhou notoriedade com um ato felizmente registrado por câmeras. Aos 42 anos, de ascendência africana, ela invadiu uma marcha de neonazistas numa cidade da Suécia.

Sozinha, ergueu o punho diante de 300 palhaços estranhamente uniformizados como garçons de restaurante de comida contemporânea dos Jardins, com calça preta e camisa branca, todos, evidentemente, belezas caucasianas raça pura.

Maria-Teresa Tess Aplund
Maria-Teresa Tess Aplund

 

Ao Guardian, ela admitiu que não refletiu e agiu instintivamente. “Foi um impulso. Eu estava tão zangada que tive de ir para a rua”, contou. “Só pensava: eles não podem marchar aqui. Nenhum nazista vai marchar aqui, não está correto”.

Depois da manifestação, apanhou o ônibus e voltou para casa. No dia seguinte, ela estava por toda a Internet. O grupo é um dos mais violentos do país. Ela já recebeu telefonemas anônimos.

“É difícil falar sobre o ódio. Sinto vergonha por termos este problema. As autoridades dizem que este é um país democrático. Mas estamos falando de nazistas!”, falou.

Maria-Teresa, Karol e os estudantes representam uma esperança, uma resistência frente ao avanço de uma extrema direita cada vez mais à vontade. Elas canalizam a revolta que gente normal sente com a ascensão desse lixo velho.

Como o alemão Landmesser, estão lutando contra um mal maior, uma ameaça sinistra — e, simplesmente, fazendo o que é certo, algo que você também pode e deve fazer. Mire-se no exemplo.